Segundo os dados oficiais, com um valor na ordem dos 43%, a abstenção nas últimas eleições legislativas foi a mais alta desde que há memória. Independentemente dos resultados obtidos e de tudo aquilo que se debateu sobre as decisões que tocaram a formação do novo governo, este é um tema que considero preocupante e que me faz duvidar da representatividade global dos votos que foram depositados nas urnas no dia 4 de Outubro de 2015.
Tal como todas as sondagens realizadas antes da eleições que praticamente se concretizaram por uma pequena margem de mais ou menos pontos, a verdade é que dei por mim a perguntar-me como é que, em 2015, ainda se fazem sondagens que se querem representativas através de telefones fixos. Comecei por perguntar-me a mim próprio há quantos anos não tenho um número fixo. E depois perguntei a várias outras pessoas quem é que ainda utiliza ou mesmo atende o telefone fixo em casa, porque a maioria das vezes estas chamadas acabam por ser realizadas para nos venderem algo ou falar de coisas sem grande importância. Descobri que eram muito poucas ou quase nenhumas. Esta realização levou-me a questionar a representatividade que a geração entre os 18 e os 30 anos, ou até mesmo os 40, terá nestas sondagens. Perguntei-me assim, sem factos concretos. No final, estas sondagens, apesar de terem chegado próximo das intenções de voto nos partidos maioritários, não detectaram as intenções de voto nos partidos que vão do BE ao PAN.
Estes resultados fazem-me questionar se as pessoas que votam e aquelas que usam telefones fixos serão realmente as mesmas.
Não tenho nada contra as pessoas que votam, nem aquelas que ainda usam telefones fixos. Pelo contrário, na sua maioria devem ser pessoas responsáveis e que dão o seu contributo à sociedade e à democracia em que vivemos. Mas esta assimetria faz-me considerar as pessoas e as gerações que, hoje em dia, apenas usam o telemóvel, seja por escolha, seja porque alugam casa temporariamente devido às circunstâncias do presente que não facilitam a compra e não querem assinar mais um contrato para um telefone fixo, ou ainda aquelas pessoas que emigraram e não se registaram como residentes porque não sabem se irá dar para lá ficar, assim como aquelas que viajam constantemente em nome da sua subsistência, contribuindo para o aumento das exportações ou remessas. As pessoas cuja falta de estabilidade no emprego, num mundo cada vez mais liberal e supostamente independente, se vêem confrontadas com a crescente dificuldade em votar e dar o seu contributo para o sistema democrático do seu país. Claro que este assunto é dado a interpretações subjectivas, mas o ponto ao qual quero chegar é a questão do voto electrónico. Como é que em 2015, numa altura em que estamos todos ligados em rede, em que vivemos com os nossos telemóveis que têm capacidade de ligar para qualquer ponto do mundo e conseguir respostas imediatas para quase qualquer pergunta, ainda se vota de acordo com o mesmo processo desde há 40 anos? O mundo mudou completamente desde então.
Obviamente podemos enumerar aqui todos os factores que nos colocam reservas em adoptar um novo sistema de voto, das possibilidades de fraude eleitoral intencional a perturbações causadas por vírus e hackers. Mas outros obstáculos foram ultrapassados ao longo da história. Mesmo o voto presencial pode ser violado, deturpado. E há muitos exemplos ao longo da história em como o acesso e a participação democrática de todos os cidadãos de um país num acto eleitoral foram limitados ou suprimidos. A decisão de implementar uma decisão destas tem os seus riscos. Mas a pergunta deverá ser se aquilo que se ganha é maior que os riscos que se correm. Eu não tenho uma resposta conclusiva, mas tenho a certeza de que o processo democrático só tem a ganhar se conseguir gerar
mecanismos que garantam a inclusão e a participação de todos os seus cidadãos, independentemente das circunstâncias em que vivem. Sobretudo quando foram forçados pelas circunstâncias em que se encontra o seu país a adoptarem modos de vida diferentes. A democracia é isto mesmo, tem de saber evoluir e adaptar-se à realidade dos nossos tempos. Ou então arriscamo-nos a que deixe de o ser, pela evolução e o desenvolvimento frequentemente pouco reflectido do nosso mundo.