A atribuição da Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo a Fernando Teixeira dos Santos é o epílogo irónico de uma história – a da intervenção da troika em Portugal – em que os “serviços relevantes” prestados à Pátria, justificativo deste tipo de distinção honorífica, estão totalmente ausentes. A reconstituição desse período, ainda não completamente distanciada, mas presente em investigações jornalísticas publicadas em livro como as de David Dinis e Hugo Coelho (Resgatados), Luís Reis Pires (Segredos de Estado) ou Fernando Esteves (Cercado), mostra-nos dois rostos principais que dão a cara pelo desastre. José Sócrates e Teixeira dos Santos são como piloto e copiloto de um carro de corrida a caminho do muro de betão. No último minuto, o copiloto saltou em andamento e chamou a troika. Hoje, o aliviado e sempre temeroso Presidente da República agradece-lhe o serviço. O piloto, esse, cumpre negros dias de prisão preventiva em Évora, por alegados crimes que, a terem sido cometidos, teriam tudo a ver com esta trapalhada.
Teixeira dos Santos e Sócrates, dois lados da mesma moeda, são personagens trágicas, a um tempo responsáveis e vítimas. ?O primeiro – e essa parece ser a convicção de Cavaco, ao entregar-lhe a medalha – terá evitado males maiores a Portugal. Todavia, a intervenção da troika retirou-nos soberania formal, a juntar à informalidade da dependência em que já vivíamos, em resultado, também, de algumas das políticas assinadas por Teixeira dos Santos. Objetivamente, ainda que chamar a troika possa ser um serviço necessário, ou melhor, inevitável, nunca poderá ser considerado um serviço relevante, e, muito menos, patriótico. E qualquer palpite sobre onde estaríamos hoje se não tivéssemos pedido o resgate é um exercício especulativo, de demonstração impossível.
Teixeira dos Santos foi, até demasiado tarde, um entusiasta do investimento público despesista. Foi para isso, aliás, que foi chamado, quando substituíu Luís Campos e Cunha, na pasta das Finanças. Reflexões recentes, de nomes tão insuspeitos como o analista do Financial Times Martin Wolf, dão razão às políticas reativas dos governos europeus, como o português, perante a crise de 2008 – sugerindo que elas só terão (em parte) falhado porque foram interrompidas a favor do controlo do défice. No entanto, se quisermos dar um exemplo da corresponsabilidade dos governantes portugueses (ou da sua irresponsabilidade pura) recordemos os aumentos salariais à Administração Pública, em 2009, não porque fosse necessário reanimar a economia pela via do consumo interno, mas, simplesmente, porque… era ano de eleições.
A cobertura acrítica de Teixeira dos Santos aos interesses partidários e ambição política do seu primeiro-ministro foi uma das principais razões do desfecho final. Quando chamou a troika, à revelia de Sócrates, o então ministro passou a ser um “traidor” – mas a Pátria estava “salva”. A sua decisão talvez possa ser encarada como um sacrifício. Mas, na verdade, foi como se um curandeiro em pânico, perante a entrada em coma do paciente, vítima da sua mezinha, fosse a correr chamar um médico verdadeiro – e fosse, agora, reabilitado. Foi ?a isto mesmo que assistimos no passado 10 de junho. Ora, conhecendo Cavaco, houve mais uma coisita que o fez decidir, com satisfação pessoal: irritar o preso 44.