Depois dos debates televisivos entre Seguro e Costa, não tenho dúvidas: sempre deveriam ter existido primárias nos partidos portugueses. A principal vantagem? O esclarecimento dos eleitores e o aclaramento de como se faz “política à portuguesa”. E, também, porque deixamos de votar na escolha disponível para escolhermos a oferta em que votamos.
Poucas propostas, pouco inovadoras, muitos ataques pessoais – tudo isso é certo nos balanços que se fizeram das discussões entre Antónios. Contudo, dos embates na TVI (a 9 de setembro) e da SIC (a 10), que no conjunto duraram 70 minutos, ficámos a saber muito mais do que soubemos em três anos de parlapiê vazio. Por exemplo, um dos candidatos socialistas a primeiro-ministro, António José Seguro, prometeu irrevogavelmente não aumentar a carga fiscal, tendo assumido perante os portugueses o compromisso de se demitir caso chegue ao governo e não o possa deixar de fazer. Mais: disse que o disse porque esteve a estudar a lição durante três anos e, portanto, conhece os dossiês e está pronto para governar. Por isso, não poderá invocar desconhecimento da situação, como fez Passos Coelho que depois de ganhar as eleições parecia um bombeiro que não sabia usar extintores.
Seguro, que durante três anos governou o PS como uma criança faz tremer uma gelatina, saiu da casca. Ainda se porta como um Calimero. Mas fez propostas. Garantiu querer a mutualização da dívida pública na parte que exceda os 60% inscritos nos tratados (finalmente fez-se ouvir e percebeu-se). Que vai apresentar uma proposta para separar a política dos negócios, o nó górdio da democracia portuguesa (basta ver a quantidade de deputados que mantêm atividade como advogados). Que quer um regime eleitoral baseado em círculos uninominais (os eleitores passam a conhecer e a responsabilizar os seus representantes). Que quer reindustrializar o país (não disse como, se por via de benefícios fiscais ou por outra, mas disse querer fazê-lo nos setores tradicionais e nos de ponta).
Ficou também claro quem está mais bem preparado. António Costa pouco mais disse do que ter um programa de fisioterapia (que raio de assessor lhe terá soprado tal patranha?) embora não saiba em que zona das costas está a dor. Mostrou-se impreparado ao remeter para mais tarde as propostas do seu compromisso para a década – até porque não o vamos, eventualmente, eleger como primeiro-ministro do futuro mas do presente (2015-19). Costa diz ainda querer combater o desemprego e a pobreza infantil, nisso concordando com a minha vizinha quando rega de manhã o jardim e com a maioria dos padres nas suas homilias dominicais.
Não fomos poupados aos mimos habituais, como o menina-estás-à-janela-com-o-teu-cabelo-ao-vento ou as-seis-propostas-e-meia-originais. Tratam-se por tu como se o governo do país se decidisse numa tertúlia de rivais. Mas também percebemos que durante três anos o gato esteve à espreita para saltar sobre o rato quando este deu o flanco (de facto, António José Seguro, os resultados das eleições europeias não foram uma vitória aceitável!) E que ao contrário do que diz hoje, António Costa, em 2012, concordou com a abstenção dos socialistas na votação do orçamento que agora renega.
É certo que ainda não tivemos o debate necessário entre os candidatos socialistas à governação de Portugal. Precisamos de saber onde se propõem fazer cortes na despesa, pois precisamos de diminuir e tornar mais justos os impostos. Temos de acabar com os défices. Temos de domar a dívida pública. Temos de escolher onde usar os dinheiros da União Europeia. Miguel Sousa Tavares, na SIC notícias, na quarta-feira a seguir ao segundo debate, deixou excelentes dicas: cortar nas forças armadas, que se deviam remeter ao papel de vigilância da nossa Zona Económica Exclusiva; reformar o mapa dos municípios, diminuindo o seu número e as suas extravagâncias; acabar com o financiamento de fundações privadas; fechar a torneira do dinheiro a rodos para Alberto João Jardim; emagrecer a estrutura do Estado, onde os institutos e os grupos de trabalho crescem como o bolor nas sobras de pão.
Foi menos do que é exigível mas mais do que é habitual. Sejam bem-vindas, primárias.