As agências de informações, muitas vezes denominadas por Agências Secretas, ou apenas “Secretas” são essenciais ao bom funcionamento e garante da democracia.
É a elas que, no quadro legal, compete exercer as funções de segurança que protegem o país, as suas instituições e os seus habitantes de ameaças externas e internas. Para isso podem, a coberto do segredo, estudar e vigiar o complexo ecossistema das relações em sociedade, antecipando essas ameaças e reportando-as unicamente a quem tem o poder legítimo para as utilizar: os governos democraticamente eleitos.
Deste modo, compete-lhes – como é dito no próprio site do Serviço de Informações e Segurança(SIS) – recolher, processar e difundir informações no quadro da Segurança Interna, nos domínios da sabotagem, do terrorismo, da espionagem, incluindo a espionagem económica (…) e de todos os demais atos que, pela sua natureza, possam alterar ou destruir o Estado de direito democrático, incluindo (…) fenómenos graves de criminalidade organizada (…) ou branqueamento de capitais.
Também o Conceito Estratégico de Segurança Nacional (publicado em Diário da República em Abril de 2013) prevê isso mesmo. Leia-se na página 9: “A dimensão económica e financeira tem, na atualidade, uma importância acrescida. Os riscos económicos podem prejudicar interesses vitais do Estado, incluindo a soberania, a independência nacional e a coesão social” e, mais à frente, no capítulo dedicado às Vulnerabilidades Nacionais pode ler-se (pág. 40) ser necessário “Assegurar a estabilidade macroeconómica e os principais equilíbrios financeiros da economia, desde logo garantindo a sustentabilidade das contas públicas”.
Façamos agora uma breve cronologia do caso BES. Agosto de 2005. O “Mensalão”, um escândalo de corrupção que abalou o Brasil na primeira década deste século, traz o nome do BES na primeira página – como escreveu o DN “as investigações envolvem a PT no Brasil e o BES, para cujas contas se teriam transferido 600 milhões de dólares. Desse saco sairiam as avenças periódicas pagas para comprar o apoio ao partido de Lula da Silva no poder”.
E há o caso “Portucale” com o abate ilegal de sobreiros; as contas no BES do ditador Chileno Pinochet; a Operação “Furacão”, o edifício dos CTT em Coimbra, o BESI, o BES Angola, o Submarinos, a Escom, a “comissão” dada pelo construtor José Guilherme a Ricardo Salgado por “consultadoria” prestada em Angola pela qual o anterior senhor do BES pagou, apenas quando confrontado, mais de oito milhões de impostos; a inenarrável narrativa do empréstimo de 850 milhões da PT que custou a reputação da empresa de telecomunicações portuguesa junto da brasileira Oi. E há, claro, os financiamentos do BES na comunicação social, feitos à Ongoing (Diário Económico) e Controlinveste (DN, JN e TSF), que desde sempre se falou que seriam muito difíceis de rentabilizar. Mas talvez tenha sido o poder sobre a comunicação social que fez com que, em 2012, e ainda em Junho deste ano, a um mês da derrocada, o banco liderado por Ricardo Salgado tenha sido o único dos três maiores bancos privados portugueses a aumentar capital durante o reinado da troika recorrendo apenas aos acionistas e ao mercado de capitais, sem ter recorrido ao dinheiro dos contribuintes. Muitos sinais? Demasiados.
Recuemos um pouco. Em abril 2011 quando Ricardo Salgado liderou a reunião de banqueiros que forçou José Sócrates a pedir a intervenção do FMI estivemos ou não perante uma situação que alterou o Estado de direito democrático? Nessa altura José Maria Ricciardi, presidente do BESI, defendeu publicamente que se tratava de um erro, que Portugal devia fazer como a Espanha e a Itália “resistindo o mais que se pudesse”. Nem Espanha nem Itália chegaram a ser resgatados. “Estou à vontade para dizer isto”, dizia então Ricciardi, “até porque sou amigo do Pedro Passos Coelho. Foi um erro!” Era também aqui que o SIS podia ter ajudado o BES.
O Novo Banco custou agora aos portugueses 4.500 milhões de Euros. Quase 3% da riqueza que todos os portugueses juntos produzem num ano. Duas vezes e meia o orçamento anual das Forças Armadas. Não é um problema de segurança Nacional? É um valor duas vezes maior que aquele que Portugal deixaria de exportar se Autoeuropa abandonasse o país de um dia para o outro; equivalente à totalidade das remessas dos emigrantes em dois anos seguidos; mais de seis meses dos juros da dívida soberana; 75% do imposto sobre as empresas e 40% do imposto sobre os rendimentos dos trabalhadores; o triplo daquilo que todos os portugueses juntos gastam em educação.
Os nossos Serviços de Informação não deixariam nunca passar em claro uma ameaça desta dimensão. Trabalham de forma séria e estão repletos de pessoas inteligentes e com sentido de estado. É certo que os relatórios que produzem podem não ter o mais importante escrito na primeira página e serem até longos de mais e difíceis de ler, o que muitas vezes não se coaduna com vertigem da decisão política. Mas é impossível que esta informação não tenha sido disponibilizada aos decisores durante os quase dez anos em que o BES, pelas más razões, foi notícia de jornal. Se os relatórios tivessem sido lidos e compreendidos tudo teria sido mais fácil antecipar. O Grupo Espírito Santo teria o Banco de Portugal e a CMVM mais cedo à perna e não haveria de se desfazer descontroladamente da forma vergonhosa a que assistimos agora com enormes prejuízos para o país, para os investidores e aforradores, e também para os acionistas.
Foram dez anos de silêncio e, como dizia a música, dez anos é muito tempo, para se ignorarem tantas evidências.
* Especialista em Comunicação, Informações e Segurança, autor do livro “As Grandes Agências Secretas”