Este tempo entre abril e maio costuma ser o tempo da esquerda. Comemora-se a Revolução e o Dia do Trabalhador, as ruas enchem-se de cor e de memórias, as flores são vermelhas e, nos desfiles cruzam-se vozes plenas de emoções contraditórias.
O cansaço da indignação e do descrédito grita-se tão alto quanto se canta a ilusão e a vontade de mudar o mundo. Às vezes, e sobretudo agora, estes momentos parecem absolutamente irreais face a um quotidiano tão esprovido de esperança e de horizonte, mas o ritual mantém-se. Neste tempo entre abril e maio, a esquerda costuma ocupar a rua e o espaço mediático enquanto a direita se refugia nas comemorações formais, poupando no verbo e na imagem.
No 40.º aniversário do 25 de Abril e do 1.º de Maio não foi nem vai ser assim. A coligação tem estado a dizer que está viva e que, se ninguém a travar, está aí para as curvas. Veja-se como não se intimidou com a polémica à volta da intervenção dos militares no Parlamento e como já começou a ocupar o palco com notícias boas como as que anunciam a descida dos preços do gás e da eletricidade. Pois é, enquanto a esquerda dividida e sem programa que se veja, se perde na nostalgia do passado, a maioria que nos governa trata de preparar as eleições. E não são propriamente as europeias que movem PSD/CDS, mas sim as legislativas de 2015. Até lá, as boas novas não se vão ficar pelas tarifas da energia. Não foi por acaso que Paulo Portas e Pires de Lima ainda a semana passada voltaram a insistir na subida do salário mínimo e na necessidade de baixar o IRS como forma de “libertar dinheiro para as famílias”. E, desta vez, dificilmente o CDS ficará a falar sozinho.
Agora, também o PSD já se começou a mexer e a dizer mais ou menos abertamente a Passos que é tempo de mudar de discurso, mesmo sabendo que as dificuldades dos portugueses estão longe de um final feliz.
Há quem duvide da capacidade de Passos Coelho de mudar o tom e o conteúdo de um discurso que não só faz parte das suas convicções políticas, como também já se lhe colou à pele como uma espécie de imagem de marca. Seja como for, a partir de agora, a pressão sobre o primeiro-ministro irá intensificar-se. Esta semana, Passos deverá fazer uma comunicação ao País a anunciar o fim do resgate e a chamada “saída limpa” do programa negociado com a troika e muito dificilmente conseguirá travar a euforia que se irá apoderar das hostes da coligação.
Ora, é justamente em nome da continuidade desta coligação que Passos vai ter de gerir com pinças os próximos tempos. São estranhos os sinais de tensão entre os dois partidos, tornados públicos quer pelo autêntico braço de ferro entre Pires de Lima e Maria Luís Albuquerque a propósito das anunciadas taxas sobre o sal e o açúcar, quer pelas inusitadas divergências públicas entre Passos e Portas sobre a redução do IRS ou, mais estranho ainda, através da “boca” do primeiro ministro no Parlamento em que, a propósito da contenção da despesa pública, disse que o Governo poupou “muitos submarinos aos portugueses”.
Uma coisa é certa, será da capacidade do chefe do Governo de se reinventar que depende a coligação para 2015. Portas quer um parceiro que lhe dê um máximo de garantias de vitória. Se assim não for, vai sozinho, mantendo aberta uma porta para um acordo pós-eleitoral com o PS. Há coisas que nunca mudam, mesmo no tempo em que tanto se fala em mudança.