Um elefante, um cavalo persa e dois leopardos faziam parte da embaixada que D. Manuel I enviou à Santa Sé, em 1513. Desde então, a diplomacia modernizou-se, codificou-se e profissionalizou-se, mas os seus fundamentos básicos continuam os mesmos. Nos últimos 500 anos, mudámos radicalmente a forma como prestamos assistência médica, como cobramos impostos ou como nos defendemos militarmente, mas ainda hoje a diplomacia e a política externa se baseiam no princípio de que são os Estados que detêm o poder e são os Estados que se relacionam com os outros Estados. Houve poucas mudanças desde o tempo em que o Papa Leão X recebeu a sumptuosa corte portuguesa.
Mas, nas próximas décadas, a política externa será executada de forma bem diferente. A primeira mudança há de ser nos propósitos. Servirá para defender os interesses da população e não os interesses do Estado. Será uma política externa voltada para os interesses locais, motivada pelo atendimento às necessidades básicas da população. Por mais que eu goste de relações internacionais, a resolução do conflito na Síria não aumentará a reforma dos portugueses,nem criará emprego, nem melhorará o SNS. Estando a Humanidade a viver o período mais pacífico da sua história (apenas 32 conflitos, no ano passado), iremos ouvir menos os ministros dos Negócios Estrangeiros falar da defesa de fronteiras ou de negociações de paz e mais de habitação, energia, infraestrutura, educação, ou geração de emprego. A política externa tornar-se-á mais operacional e servirá para garantir recursos e conhecimentos para prover estes serviços públicos. De forma sibilina, o novo livro do intelectual americano Richard N. Haass, A Política Externa Começa em Casa, alerta para o facto de a diplomacia, respirando o ar rarefeito de quem está no topo da pirâmide, começar a padecer de hipobaropatia ou doença das alturas e a ter dificuldade de comunicar com a população.
A segunda grande reforma tem a ver com o formato. Num mundo globalizado e interconectado, mobilizado pela alta tecnologia, com múltiplos pólos de poder e diferentes atores, o conceito de embaixadas, que se mantém relativamente inalterado desde D. Manuel I, precisa, pelo menos, de ser questionado. O Governo do Canadá, por exemplo, anunciou que irá enxugar a sua rede diplomática para poupar 170 milhões de dólares em três anos. Deverá começar a ser uma tendência universal. Como aprendeu o Brasil, a abertura indiscriminada de postos diplomáticos não garante mais reconhecimento internacional.
Além disso, é insensato acreditar que um único ministério, o MNE, poderá ficar exclusivamente responsável pela internacionalização de um país. Na verdade, já não existe uma política externa, mas uma política nacional implantada simultaneamente dentro e fora do território. Com a humanização da política internacional, todos os ministérios de um Governo precisam de executar as suas políticas com um pé dentro e outro fora do país. A solução para um problema pode ser encontrada tanto em Lisboa como em Londres ou Los Angeles. O MNE passará a ser um órgão mais articulador do que executor, vinculado diretamente ao chefe de Governo, com capacidade de supervisão de todas as atividades de um governo no estrangeiro. Os outros ministérios, com recursos e com necessidade de resolver desafios concretos, tornar-se-ão, de certa forma, os novos MNEs. Serão eles o nosso rosto no estrangeiro. Cada vez haverá menos embaixadas e menos diplomatas tradicionais, ao mesmo tempo que crescerá o número de especialistas em relações internacionais. Portugal tem tudo para ser pioneiro e se moldar a esta nova tendência. Basta haver liderança.