Há momentos históricos que, quem os testemunha ao vivo, devia ficar proibido de os esquecer. Por isso, é melhor escrever já para que quando, daqui a muitos anos, me perguntarem onde estava no dia 31 de Julho de 2012, eu poder responder: “Eu estava lá!”. Sim, “lá” no centro aquático do Parque Olímpico de Londres. “Lá” no meio da excitação incrível e do aplauso genuíno de todos os espectadores, independentemente das nações que defendiam. “Lá”, na noite em que Michael Phelps ganhou, aos 27 anos, a sua 19.ª medalha olímpica, ultrapassando, quase meio século depois, as 18 da ginasta soviética Larissa Latynina. “Lá”, na piscina em que o nadador de Baltimore estabeleceu um recorde que, no mínimo, irá durar muitas décadas (até porque o vai, seguramente, ampliar nos próximos dias).
Depois das oito medalhas em Atenas 2004 (seis de ouro e duas de bronze) e das oito de ouro em Pequim 2008, Michael Phelps chegou a Londres em descompressão (para os seus cânones, claro). Na primeira final, os 400 estilos, nem às medalhas chegou. Na estafeta de 4×100, apesar do seu esforço, ficou-se pela prata (a primeira da sua carreira olímpica!), quando os EUA foram batidos pela França.
O encontro com o inevitável recorde estava marcado, desde há muito, para terça-feira, 31 de julho, dia em que disputava duas finais. Uma delas, a da sua prova favorita: os 200 metros mariposa, a mesma com que se tinha estreado em Jogos Olímpicos, em Sydney 2000, com apenas 15 anos (5.º lugar). Embora tenha dominado toda a corrida, acabou por perder, mesmo no fim, o ouro para o sul-africano Chad Le Clos. Embora tenha, nesse momento, igualado as 18 medalhas de Latynina, a verdade é que também perdeu – por 5 centésimos de segundo! – um outro recorde: o de se tornar o primeiro nadador a ganhar a mesma prova individual em três Jogos Olímpicos sucessivos.
E percebeu-se que não gostou de perder, até porque confiava que tinha a prova ganha. Quando olhou para o quadro eletrónico e viu que a 18.ª afinal era de prata, arrancou uma das tocas e atirou-a para longe, com raiva. Mas depressa se recompôs e foi abraçar Chad le Clos. Após a cerimónia de entrega de medalhas, voltou a abraçar o sul-africano e ajudou a conduzi-lo pelos passos protocolares do momento: indicava-lhe onde ele devia parar para ser fotografado, por onde devia seguir, para onde devia olhar.
O recorde foi batido em família, com a equipa norte-americana dos 4×200 metros livres: Ryan Lochte, Conor Dwyer e Ricky Berens. Phelps ficou com o último percurso. “Tinha pedido aos rapazes para me deixarem um bom avanço”, brincou ele depois. E apesar do esforço final do temível Yannick Agnel, a França ficou a mais de 3 segundos da seleção dos EUA. E da 19.º medalha de Michael Phelps, celebrada com uma das ovações mais intensas e genuínas jamais ouvidas numa piscina olímpica, reforçada ainda por outro facto significativo: todos os nadadores da prova foram cumprimentar o “maior atleta olímpico da História”.
Nos próximos dias, Michael Phelps tem todas as possibilidades de alargar o seu saco de medalhas, pois ainda lhe falta disputar os 200 estilos, os 100 mariposa e a estafeta de 4×100 estilos. Se ganhar medalhas em todas, atinge as 22 – exatamente as mesmas que Portugal ganhou em todas as suas participações olímpicas, em 100 anos de história.
Em termos cronológicos face a nós, Phelps vai assim mais ou menos no lugar de Francis Obikwelu, em Atenas 2004 (a nossa 19.º medalha como nação). Se ele ganhar nos 200 estilos, na quinta-feira, 2, “apanha” Rui Silva nos mesmos Jogos. Se for medalhado nos 100 metros mariposa, na sexta, 3, “cola-se” a Vanessa Fernandes, em Pequim 2008. E, finalmente, se a estafeta dos EUA cumprir a sua obrigação nos 4×100 estilos de sábado, 4, ele “iguala” Nelson Évora nos últimos Jogos.
Claro que se, entretanto, Portugal ganhar uma medalha, Michael Phelps já não nos apanha. E aí, não nos esqueçamos, ficamos à frente do “maior olímpico de todos os tempos”.
Será que isto pode servir de motivação para alguma coisa?…