Os chilreios das andorinhas mandam nos ares do Largo de Santa Maria, em Beja. A torre sineira da igreja destaca-se do branco do casario, mira a planície, solitária. As aves fizeram dos sinos o seu lar e dos ares o seu quintal. Está calmo e morno, o entardecer
A alguns quilómetros desta praça avançam bulldozers na planície. Rompem o montado, rugem nos olivais, avançam em direção à capital do Baixo Alentejo. São a frente avançada do IP8, a auto-estrada que fará a ligação do Porto de Sines a esta zona do país. Na estrada para Ferreira do Alentejo são visíveis montes de areia e de brita para pavimentar mais uma parceria público privada, o sorvedouro de dinheiros públicos que contribui para a nossa mais recente bancarrota. O trajeto está pejado de “parques de máquinas” que exigem redobrada atenção aos condutores que se servem da velha estrada nacional. Se é essencial a ligação do Atlântico à planície por este eixo, é difícil de perceber que o traçado haja escolhido solos do tipo A, os melhores de Portugal, únicos e raros para manter viva uma agricultura saudável. Não podia ter sido um pouco mais a sul, onde os solos depauperados pouco produzem?
Parte do traçado cortará ou sobrepor-se-á à rede de condutas que trazem a esta zona a água do Alqueva, essencial para a equação agrícola resultar no Alentejo. Faz sentido desfazer com vias rápidas o que há seis meses se concluiu nos perímetros de rega? Faz sentido que duas obras cruciais não hajam sido planeadas de modo a que uma não destrua o que a outra construiu e terá de ser reconstruído? Será sustentável para os camionistas pagarem portagens para o transporte de mercadorias e terão os alentejanos dinheiro para usarem mais uma via de comunicação de luxo enquanto a CP fecha estações de comboios deficitárias?
Na região, a mais viva voz contra a auto-estrada provém da Quinta de São Vicente, onde João Filipe Passanha não se conforma com uma obra cujo desígnio não descortina e que cortará ao meio a sua herdade de 700 hectares. “Só espero que o dinheiro acabe e não a concluam”, deseja o administrador da Quinta de São Vicente, onde se produz um dos melhores azeites do mundo. Se os chilreios das andorinhas não o abafarem, talvez o seu apelo ecoe na planície. E parem as máquinas, neste calmo e morno entardecer.