1 – O PS “quer apertar o segredo de justiça”. De uma forma ou de outra, quase todos os partidos da oposição parecem gostar da ideia. Não fosse a enervante tendência lusa de legislar a reboque da actualidade (alguém se lembra da Casa Pia?) e seria difícil não concordar com as intenções dos socialistas. O segredo de justiça é, em Portugal, pouco mais do que uma abstracção jurídica. É sistematicamente violado por iniciativa dos mais variados agentes ligados aos processos, que contam, há que reconhecê-lo, com uma comunicação social muitas vezes acrítica e preguiçosa. Tal como existe, o segredo de justiça não é segredo, nem faz justiça.
Há todavia um perigo nesta periódica fúria legislativa em torno do tema. Colocar o segredo de justiça e a sua recorrente violação no centro do debate político é um pouco como gastar todas as energias a tentar aplainar a ponta visível de um icebergue. A “one million dollar question” não é “como proteger o segredo de justiça”. É saber “porque existe uma sistemática tentação em furá-lo”. E a resposta nem me parece complicada. Assim não estejamos fixados no sintoma, mas na doença. E a doença é um sistema de justiça que até dá sinais de um regular funcionamento na fase de investigação mas que sistematicamente emperra num emaranhado processual kafkiano que parece aumentar de complexidade à medida que aumenta a sofisticação dos advogados e o poder dos seus clientes. A doença é uma justiça que parece nunca chegar a fazer-se porque se perde na secretaria. E a tentação que explica tão afincado denodo em furar o seu muito teórico segredo é a tentação de fazê-la por outros meios. Nos jornais, nas televisões, nas conversas de café. E por aqui nos ficamos até ao dia em que alguém se lembrar de regressar a mais babilónicos métodos e de recuperar a velha tradição do “olho por olho”.
Os meios justificam portanto os fins? Não é, de forma nenhuma, a minha posição. Não estou a fazer uma apologia do populismo desbragado que por aí grassa. Mas entendo que vale a pena perceber o que o move. Vale a pena perguntar como é possível que o edifício da justiça seja todos os dias torpedeado por aqueles que deveriam ser os seus guardiães. Vale a pena perguntar porque é que uma sociedade “de brandos costumes” como a portuguesa parece deliciar-se com o sistemático atropelo de direitos fundamentais, com julgamentos feitos na praça pública, com totalitárias violações da privacidade.
A justiça portuguesa está doente. Desesperadamente doente. E o desespero, é sabido, rima com a imponderação, o excesso, a tresloucada vingança. Não é com paliativos que se evita que o caldo se entorne de vez.
2 – Depois de mais uma deprimente semana de Face Oculta estava eu de malas aviadas à porta de casa. O destino era a Sildávia, a Bordúria, o planeta Mongo, eu sei lá. Algum reino ficcional onde, apesar dos Metralhas, do Capitão Olrik ou do Imperador Ming, pudesse educar os meus filhos num cenário de mínimo decoro. Eis que, num daqueles típicos desfechos de uma boa história de BD, o Nicolau Santos se lembrou de publicar uma lista de gestores a quem se pode continuar a comprar carros usados. A Sildávia vai ter de esperar.