1) A proibição do Jornal Nacional de sexta-feira pela administração da TVI foi abusiva e ilegal. Além de, nas circunstâncias de forma e de tempo, oportuníssima ou desastrosa, conforme as perspectivas. Porque era óbvio que: a) serviria, como serviu, para “entronizar” Manuela Moura Guedes (MMG), fazendo dela manchete em todo o sítio, numa espalhafatosa mistura de heroína e vítima; b) seria, como foi, pelo menos nas reacções imediatas, altamente nociva para José Sócrates e o PS, podendo liquidar as suas aspirações eleitorais.
2) Nos termos da lei, o conteúdo editorial dos media é da responsabilidade exclusiva do director, sem que a administração nele possa interferir (de forma directa…; fá-lo através do próprio director, se ele aceitar, o que bem pode acontecer – até porque é a administração que, ouvido o conselho de redacção, o nomeia e demite livremente).
E não faz nenhum sentido defender, como aconteceu, que a administração não pode intervir no concreto, em notícias, reportagens, etc., mas pode impedir um programa, no caso um telejornal. Não faz sentido quer pela letra e pelo espírito da lei, quer porque, em Direito, o que permite o mais permite o menos, e o que proíbe o menos proíbe o mais. Ora, é de clareza meridiana ser “mais” (e mais grave) proibir um jornal do que mudar uma notícia.
3) Por isso, nesta exacta medida, a decisão da Media Capital foi ilegal e violou a liberdade de informação, que as normas quanto à autonomia editorial visam proteger. Embora sejam para isso insuficientes, em particular se os directores foram escolhidos não pela sua qualidade, independência, experiência, rigor, mas com base em outros critérios. Que podem ser contrários destes, privilegiando quem exactamente faz o que a administração (o “poder”) quer, de preferência sem sequer ser necessário dizer-lho… Mesmo que seja vender papel ou conquistar audiências, sem olhar a meios.
4) Isto dito, sublinho que considerava aquele Jornal um “exemplo” – do que não se deve fazer. De violação de elementares normas deontológicas, incluindo a confusão entre factos e opiniões. De tratamentos ditos jornalísticos que configuravam uma clara manipulação/campanha, visando levar os telespectadores a concluir que José Sócrates era, pelo menos, altamente suspeito do crime de corrupção.
Não estava nem está em causa, claro, o direito, até dever, de investigar o caso Freeport. E muitas peças jornalísticas (não as vi todas) até eram ou seriam boas: o problema era a contextualização ou descontextualização, a repetição, os comentários, uma série de procedimentos inaceitáveis. Creio, além disso, haver naquele Jornal, e na sua pivot, uma clara ânsia de afirmação, de “poder”, sob a alegada forma de “contrapoder”, com esquecimento do mais importante, quanto à comunicação social numa democracia: a sua responsabilidade.
5) Aliás, em matéria de televisão, que é um bem finito, por isso dependente de concessão pública e em todo o mundo civilizado sujeita a normas, a liberdade de expressão não pressupõe que, nos órgãos privados, cada um possa fazer o que lhe dá na gana. Ao invés, exige o cumprimento de regras, entre muitas outras as constantes, entre nós, da Lei da Televisão, sobretudo os art.ºs 34 e sgs.. Por exemplo, “uma informação que respeite o pluralismo, o rigor e a isenção”. Assim, em matéria de legalidade, também se duvida de que o Jornal de MMG a respeitasse e viesse a respeitar, num período especialmente sensível como é o pré-eleitoral.
6) Já não cabendo falar aqui de El País e de Cebrian, como gostava, só uma nota final para lembrar que, como já escrevi, se os jornalistas têm todo o direito de criticar os políticos, com a veemência que entendam, os políticos não podem deixar de ter o mesmo direito de criticar os jornalistas e, por maioria de razão, de lhes responder. Assim, o que Sócrates disse sobre o JN e MMG foi o legítimo exercício de um direito, até individual, de cidadão, e só com base nele não se lhe podem assacar responsabilidades no que agora aconteceu. Tanto mais que, como se viu, só o pode prejudicar.
Creio que aquele Jornal e a sua pivot se esqueceriam do mais importante, quanto à comunicação social, numa democracia: a sua responsabilidade.