O Futebol Clube do Porto antecipou o seu jogo com o Leixões, em duas horas, para não retirar espectadores ao debate entre José Sócrates e Manuela Ferreira Leite, no dia 12, na SIC. Os jornalistas, esquecidos de que a silly season já acabou, dão esta notícia sem se rirem. E o País acha normal que a questão, sequer, se ponha. Não, não é uma final do campeonato do mundo entre Portugal e o Brasil. É o esfuziante Porto-Leixões, que deixa os portugueses suspensos e Manuela e Sócrates a falarem sozinhos. O debate esteve para ser antecipado para dia 11, e os candidatos que se propõem liderar o Governo da Nação, geralmente tão ciosos da sua agenda, já se submetiam, sem pestanejar, a essa mudança. Mas eis que, generosamente, Pinto da Costa concordou em antecipar o desafio. Só por isto, merece já uma comenda, no próximo 10 de Junho.
A naturalidade com que Manuela, Sócrates, os partidos, as televisões, os clubes de futebol e os eleitores encaram esta submissão da política ao futebol, é a mesma com que, na campanha eleitoral, a razão se submete às paixões, o esclarecimento à boçalidade, a sobriedade ao mau gosto. Basta olhar para os cartazes que poluem, há meses, as nossas cidades, vilas e aldeias, de que são exemplo os que publicamos a partir da página 34, nesta edição. É normal que, em Portugal, um debate entre os dois candidatos a primeiro-ministro, nas mais importantes eleições dos últimos 15 anos, seja um “programa” pouco visto. Esta infantilização nacional é até conveniente. Afinal, muitas das tiradas da actual discussão política são importadas do mais básico futebolês. Os partidos deixaram de ter ideologia para funcionarem como clubes, onde o que conta é o sentido gregário e a cor da camisola. As juventudes partidárias entoam os mesmos cânticos, gritam as mesmas palavras de ordem e envergam os mesmos cachecóis coloridos que as claques do futebol. E até o hooliganismo subjacente a toda esta perversão entrou no espírito e na atitude dos profissionais dos comícios.
Espera-se, afinal, o quê, de tantos debates? O que terão para dizer um ao outro Jerónimo de Sousa e Manuela Ferreira Leite? E o diálogo de surdos, entre Paulo Portas e Francisco Louçã, servirá para quê, além de avaliar quem tem mais verve ou melhores truques no sound byte? Antes um Olhanense-Rio Ave. Serão debates com “bancadas” mais vazias do que um Belenenses-Setúbal.
Sócrates aceitou o modelo que as televisões lhe impingiram porque, ao contrário de Cavaco, em 1991, ou de Guterres, em 1999, precisa dos debates como de pão para a boca. Sobretudo com Ferreira Leite. Nunca tanto distinguiu os partidos do Bloco Central: o programa, os projectos, o modelo de desenvolvimento, as lideranças. Os outros chefes de Governo estavam por cima, ele está, aparentemente, por baixo. É bom no repique, tem mais horas de televisão do que a concorrência, a imagem passa e precisa de se explicar. Nada tem a perder e tudo tem a ganhar. Ao contrário da líder do PSD, que é fraca a debater, televisivamente inexperiente, tem uma imagem que não a favorece e ganha mais em estar calada.
Resta a Manuela apostar na surpresa. Afinal, no ano passado, o Leixões ganhou no Porto.