Uma semana depois de ter votado nas legislativas – em Lisboa – votei para as eleições locais / municipais em Budapest. Tudo legal, e devidamente enquadrado no conjunto dos meus direitos políticos como cidadão europeu. Semana intensa, como se depreende, e com resultados muito interessantes, quer em terras lusas como magiares. Sobre as eleições nacionais não me irei pronunciar muito, apenas saudar todas as eleitas e eleitos, bem como o novo conjunto de vozes parlamentares que irão colorir o hemiciclo de São Bento, da esquerda à direita. Já pela Hungria, as eleições locais provocaram um pequeno terramoto no Orbanistão, borrando os tons carregados da laranja que totalitariamente pintava o mapa político local. Budapest virou. E forte. Bem como Eger, Dunaújváros, Érd, Miskolc, Pécs, Szombathely e Tatabánya. Tudo cidades de meia dimensão, “Leirias” locais, que acabaram por remeter o Fidesz para um refugo pós-urbano, rural, mas ainda maioritário. O recente sistema autárquico húngaro é um pouco diferente do português. Também existem 3 votos, mas vota-se directamente no presidente da Câmara e no Presidente de cada uma das 23 Juntas, e não em listas, e também numa lista para as Assembleias de Freguesia. Significa isto que, em Budapest, a Assembleia Municipal não é directamente eleita, mas composta apenas pelos presidentes das 23 Juntas, o Presidente de Câmara e mais 9 lugares dedicados aos “restos”, ou seja, ao reaproveitamento dos votos em candidatos vencidos. Com tal sistema procurava o Fidesz controlar a capital, pois se poderia ser expectável que perdesse a Câmara Municipal num voto unipessoal, poucos esperavam que a oposição conseguisse em simultâneo ganhar as Freguesias suficientes que lhe garantissem uma Assembleia favorável.
Em todo o caso, e apesar desta derrota nas cidades, nos resultados globais nacionais o partido de Orbán manteve-se acima dos 50% dos votos, razão entendida como suficiente para cantar vitória, mesmo que isso signifique a aceitação do status quo pré-2010, ou seja, quando o Fidesz era um partido essencialmente ruralista com pouca presença nas cidades. A diferença é que agora a oposição, na maioria dos casos, entendeu que deveria se associar num bloco único (com o apoio tácito, mas não explicito, do Jobbik), procurando transformar o sistema político húngaro num confronto entre o governo e a oposição. Importa referir que esta oposição é composta por vários partidos, nomeadamente do Párbeszéd Magyarországért / Diálogo para a Hungria (PM, nos Verdes europeus), Magyar Szocialista Párt / Partido Socialista Húngaro (MSzP, PES), Demokratikus Koalíció / Coligação Democrática (DK, PES), Lehet Más a Politika / Política Pode ser Diferente (LMP, Greens) e Momentum Mozgalom / Momento (ALDE). De fora ficou a extrema direita do Jobbik. Uma geringonça magiar liderada por um verdadeiro Pai Natal de nome completo Gergely Szilveszter Karácsony, co-líder do Párbeszéd e já candidato nas últimas legislativas em coligação com o MSzP, e que transporta consigo a simpática coincidência de ter como apelidos Fim de Ano (Szilveszter) e Natal (Karácsony). Daí de na cidade se ter dito, nos dias seguintes à sua eleição, de que o Natal e o fim de ano tinham chegado mais cedo a Budapest.
O importante a reter no modelo da geringonça local é que a mesma é muito mais complexa que a versão original lusitana, pois não depende de um partido maioritário (o PS) mas de uma cuidada articulação entre parceiros relativamente iguais, e com capacidade e vontade de liderar candidaturas. Vejamos novamente Budapeste, onde o candidato a Presidente da Câmara foi escolhido num sistema de primárias e originário do partido mais pequeno desta joint venture (Párbeszéd), e de entre os 15 Presidentes de Junta não Fidesz, 6 são do MSzP, 3 do DK e do Momentum, um do Párbeszéd e outros 2 independentes. Aos que se juntam mais um representante municipal do MSzP, DK e Momentum na Assembleia Municipal, transformando nesta o Fidesz o partido com mais eleitos (13), apesar da oposição deter a maioria (18 + 2 independentes). Ou seja, legitimada a estratégia de unificar a oposição (liberal e/ou progressista), resta construir as equipas e modelos de governança que permitem a introdução de um novo conjunto de políticas públicas que se distingam das do governo e apresentem a partir de Budapeste uma nova visão política para o país. Não seria, de todo, a primeira vez que um projecto político de âmbito nacional desse os seus primeiros passos na capital…