Era uma vez uma menina, a quem chamavam Capuchinho Vermelho. Um dia, a mãe chamou Capuchinho e pediu-lhe que levasse um cestinho com vinho e bolo para a avozinha que estava doentinha, lá do outro lado da Floresta. “Mas vai sempre pelo caminho, não te metas pela floresta por causa do Lobo Mau!”
Quem não cresceu com esta história, e quem não conta esta história hoje aos filhos, que levante o braço.
Eu cresci.
E de vez em quando também aparecia a história na televisão como desenho animado da Disney. Mas lembro-me que, enquanto criança, e dadA a minha limitada experiência do mundo, havia algo na história que me deixava nervoso. Onde raio era esta floresta, e por que raio ainda andavam por lá lobos à solta? Na Madeira, onde cresci, há, de facto, zonas florestais bem bonitas, e belos passeios se faziam por lá. Estariam por aí esses lobos? Apesar de me dizerem que não havia lobos e apesar de nunca ter visto algum, esse nervosinho sempre me acompanhou, e inconscientemente ainda acompanha, nalgum resquício da memória.
E os sete anõezinhos, quem nunca imaginou um dia encontrar a mina onde trabalham? Ou o palácio escondido da Bela Adormecida no meio de uma floresta densa? Ou a carruagem de abóbora da Cinderela? Ou a casa da bruxa feita de bolo no fundo da floresta onde Hansel e Gretel se perderam?
É possível que talvez essas histórias estejam no nosso imaginário por causa dos filmes da Disney, mas acho que já eram populares antes disso, e de alguma forma já sentíamos essas histórias como parte também do nosso imaginário coletivo nacional. Tanto assim, que uma amiga nossa espanhola, achava que o flautista de Hamelin vinha de algum sítio chamado Jamellin em Espanha. O que eu não sabia era que a origem da maioria delas é aqui mesmo na zona onde vivo agora, no Estado de Hessen. O que têm em comum é que são contos populares de tradição oral, oriundas da Europa central, que foram compilados na forma escrita pelos irmãos Grimm no século XIX.
Originários da cidade de Hanau, a meia hora de carro daqui, os irmãos são conhecidos e reverenciados pela sua enorme contribuição para a cultura alemã em particular, e cultura Ocidental em geral, por causa deste livro: Contos para Crianças e Famílias – também conhecidos pelos Contos de Grimm. Na Alemanha, a dada altura, este livro era só menos popular que a própria Bíblia, practicamente todas as famílias tinham um exemplar. Em nossa casa temos pelo menos duas cópias, uma delas ilustrada, e o meu sogro lê os contos aos miúdos com deleite e entonação. Os miúdos ficam presos e absorvidos, mas não questionam a moralidade dos contos.
Alguns dos contos são bastante violentos ou arrepiantes (em alemão Gruselig é a palavra que melhor ilustra a sensação que os contos provocam), com cenas como aquela em que a barriga do lobo é cortada para extrair a Capuchino e a avózinha ainda vivas, mas eram usados como forma de ensinar perigos às crianças.
Os perigos, esses, estão pelas florestas é claro. Quais? As majestosas e antigas florestas aqui da Europa Central. Mesmo ao pé de nós, a antiga floresta de Odenwald e, mais a sul, a famosa Floresta Negra são fonte de muito misticismo e folclore, e sítios para maravilhosos longos passeios, infelizmente com a probabilidade de encontrar verdadeiros lobos selvagens bastante mais reduzida, mas não desaparecida… Passear pela floresta é um dos nossos passatempos favoritos de família, e os meus filhos, mesmo sabendo que na maior parte das vezes sou eu que estou a uivar, sentem que atrás de qualquer árvore poderia estar o Lobo Mau…