Um dia destes o editorialista de um jornal da diáspora explicava que o “mercado da saudade no Luxemburgo acabou”, pois no Grão-Ducado, ao contrário do que acontece nos restantes destinos de emigração, a concentração tão elevada de portugueses, com tudo o que isso implica, pode fazer com que “as saudades se resumam ao sol, à praia e pouco mais”.
A reflexão vinha a propósito de um duplo concerto com Xutos & Pontapés e Resistência que registou uma afluência extremamente reduzida. No artigo explicava-se que com as curtas duas horas de distância que separam o Luxemburgo de Portugal nós temos tendência para ir ver os concertos lá.
Para continuar esta reflexão, socorro-me dos poemas dos Xutos: se de Bragança a Lisboa já não são nove horas de distância continua a ser mais rápido (e por vezes mais barato) chegar do Luxemburgo à capital portuguesa. Mas isto significa apenas que as saudades podem ser atacadas mais regularmente, mas que não se conseguem matar. Nem os concertos são uma prioridade quando vou a Portugal, assim como tenho tendência para não ir ver os filmes portugueses que coloquei na minha lista…
No momento de regresso de Portugal penso em trazer comigo produtos alimentares. Segundos depois digo de mim para comigo: “tens isso no supermercado no Luxemburgo a dois passos de casa”. Mesmo assim, não resisto a comprar mais umas natas, uns chocolates Regina e – se deixasse a minha mãe decidir – até trazia limões, batatas e nozes (confesso que isto já aconteceu, e mais do que uma vez).
O mercado da saudade está bem e recomenda-se. Os concertos de músicos portugueses nos destinos da diáspora não enchem salas como antes faziam, mas em Portugal também não. Um exemplo: Fonsi, o cantor de “Despacito”, teve este Verão menos de mil espetadores em Gondomar. As exceções em Portugal são os concertos de Verão e, este ano, os Guns’n-Roses surpreenderam com mais de 50 mil pessoas na plateia. Note-se que no nosso país, os números de afluência a concertos são apenas aqueles que são facultados pelos organizadores, já que os números de público não são auditados independentemente.
As exportações e vendas de produtos portugueses na diáspora também carecem de estatísticas, como já debati noutro artigo , o que impede qualquer análise fundamentada do mercado da saudade, contudo o aumento das exportações de produtos alimentares parece confirmar que os portugueses cá de fora continuam a comprar “coisas da sua terra”.
Mas o mercado da saudade é muito mais vasto do que comprar Sumol, Compal ou Água das Pedras, ou do que aquilo que a Wikipédia nos apresenta como a sua definição: mercado especializado em comercializar produtos típicos de uma nação para as comunidades daqueles países que vivem no estrangeiro. O regresso regular dos emigrantes a Portugal para verem a família faz parte desse mercado. Tal como as férias no Algarve. Tal como investir no imobiliário em Lisboa. Tal como ir à pastelaria que fabrica aqueles doces conventuais amarantinos da nossa infância. Tal como ficar emocionado quando recebemos pelo correio uma caixa de almendrados. Tal como publicar no Facebook a vista do nosso quarto de dormir em Chaves que não tem nada de especial mas que para quem lá volta uma vez por ano é a mais bonita do mundo.
Por falar nisso, tenho de reservar o meu voo para ir a Portugal no Natal…
Olha: os voos estão a mais de 400 euros! Pelos vistos as companhias aéreas sabem muito bem que ainda existe mercado da saudade.