Centenas de mulheres foram abusadas sexualmente pelos capacetes azuis das Nações Unidas destacados no Haiti, indica um estudo realizado com base em entrevistas a 2500 mulheres haitianas que viviam perto das bases militares internacionais. Os dados, agora revelados num artigo do site académico The Conversation, demonstram também que a prostituição de menores eram uma prática comum, a troco de umas moedas ou simplesmente de uma refeição. Com o fim das missões ou o “repatriamento forçado” dos soldados da paz, estas mulheres, na sua maioria adolescentes, foram abandonadas grávidas ou já com filhos nos braços, juntando assim aos desafios diários da vida em extrema pobreza o estigma social de serem mães solteiras.
Sabine Lee, da Universidade de Birmingham (Reino Unidos), e Susan Bartels, da Universidade Queen’s, em Ontário (Canadá), documentaram casos de 265 mulheres com filhos de soldados das forças de paz na missão da ONU no Haiti, a Minustah, sigla do seu nome em francês. A situação é tão comum que estas crianças são conhecidas em Port au Prince como “petit-minustahs”.
Presentes no Haiti entre 2004 e 2017, estas forças juntaram militares de 13 países, mas principalmente do Brasil, que liderou a missão naquele país – inicialmente para combater a violência e o crime organizado, depois para apoiar as populações na situação de emergência que se seguiu ao terramoto de 2010, que destruiu 80% da capital e provocou mais de 220 mil mortos.
Assim que uma mulher ficava grávida, ou era sabido que havia dado à luz um filho de um militar, era determinado o regresso imediato do soldado ao país de origem. A maioria dos casos documentados diz respeito às forças do Brasil e do Uruguai. A ONU entende que este é um problema militar dos países ali destacados mas Sabine Lee lamenta, em entrevista ao New York Times, que a organização não tenha encontrado forma de responsabilizar as tropas dos países membros numa situação que, além de socialmente reprovável, afeta negativamente a credibilidade e a imagem da ONU de forma irremediável.
As investigadoras referem ainda que as perguntas sobre relacionamentos de natureza sexual nem sequer foram colocadas. Perguntava-se apenas como era viver ao lado de uma base da ONU, mas o tema surgiu em quase todas as conversas e entrevistas, por iniciativa das próprias mulheres. Também muitos homens referiram estes casos, revoltados com o abuso e abandono a que foram sujeitas tantas jovens dos seus bairros.
Este é o mais recente estudo a comprovar situações de abusos sexuais por parte de capacetes azuis, que têm vindo a ser documentadas em vários países, como a Bósnia, a República Centro-Africana e a República Democrática do Congo.
A missão da Minustah no Haiti terminou envolta em grande polémica depois de ter sido provada a responsabilidade dos militares no surto de cólera que, após o terramoto de 2010, deixou 800 mil pessoas doentes e fez mais 10 mil vítimas. Os capacetes azuis não tratavam convenientemente as suas águas residuais e não avaliaram a saúde de todos os militares, havendo soldados nepaleses infectados que acabaram por transmitir a doença à população.