Cerca de um milhão de pessoas, sobretudo da minoria muçulmana uigure, terão sido detidas sem julgamento e submetidas a tortura e técnicas de lavagem cerebral nas prisões de Xinjiang. A revelação é feita pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ), que analisou os “China Cables”, milhares de documentos oficiais do regime de Pequim.
Depois das primeiras denúncias sobre estes campos, o governo chinês começou por negar a sua existência, mas organizações internacionais conseguiram obter imagens de satélite e recolher testemunhos de vários ex-detidos. Pequim justificou então que se tratavam de “campos de reeducação e de treino voluntário”, para “combater o extremismo”. Contudo, os documentos agora revelados mostram, de forma clara, que são dirigidos como prisões de alta segurança.
O Guardian, um dos 17 meios de comunicação que analisou os “China Cables” no grupo de trabalho do ICIJ, avança que estes campos têm um sistema de controlo físico e mental total, com múltiplas camadas de segurança em todos os edifícios, e que têm também cercas, além dos muros intransponíveis que existem à volta do campo.
Os campos que a China considera de “estadia voluntária” podem manter os detidos por tempo indeterminado, sendo obrigatório que passem pelo menos um ano no local, antes de poder ser considerada a sua libertação. Os “China Cables” revelam também a existência de um sistema de pontos em que os detidos podem ganhar créditos pela “transformação ideológica” ou pelo “cumprimento das regras”.
Depois de completarem a sua “transformação educacional”, os detidos não são libertados, mas transportados para uma outra zona do campo onde passam mais três a seis meses em “treinos”. Os que possam vir a ser libertados, têm vigilância apertada durante pelo menos um ano.
Entre os documentos revelados, há um informando que 15 mil pessoas de Xinjiang foram levadas para estes campos em 2017, sendo que 706 ficaram detidas, 2 096 foram colocadas sob vigilância e outras 5 508 puderam ficar livres temporariamente (entendendo-se que seriam mais tarde encaminhadas para os campos de reeducação).
A libertação dos detidos só pode acontecer quando conseguirem provar que transformaram o seu comportamento e as suas convicções. A libertação é decidida por uma comissão especial do Partido Comunista.
Estes documentos revelam ainda que o governo chinês monitoriza em permanência a população, de forma indiscriminada. Por exemplo, há evidências de que 1,8 milhões de pessoas eram vigiadas através da App Zapya, instalada em telemóveis para transferir documentos, tendo as autoridades ordenado a investigação de 40 557 destes utilizadores. “Se não for possível eliminar suspeitas”, pode ler-se, “devem ser enviados para treino concentrado”.
Nestes documentos constam ainda diretivas explícitas para deter uigures e identificar outros que vivam no estrangeiro, estando subentendido o envolvimento das embaixadas chinesas em todo o mundo.
Este é o segundo conjunto de documentos revelado sobre estas prisões ideológicas, uma semana depois de o New York Times denunciar que a detenção em massa de uigures e de outras minorias é resultado de uma diretiva do Presidente Xi Jinping, que, depois de militantes uigures terem feito explodir bombas numa estação de comboios em Urumqi, em 2014, lançou a operação designada “Guerra Popular ao Terror”.
A embaixada da China em Londres, reagindo à notícia publicada no Guardian, repudiou as acusações, dizendo que os documentos são “fabricados”.