“Morreu depois de correr para um túnel sem saída, a chorar e a gritar durante todo o caminho”. Foi assim que Donald Trump descreveu os momentos finais de Abu Bakr al-Baghdadi, morto na madrugada de 27 de outubro por forças especiais americanas, no noroeste da Síria, junto à fronteira com a Turquia.
No total, tendo em conta o anúncio da morte e a sessão posterior de perguntas e respostas, Trump utilizou a palavra “choramingar” seis vezes, “chorar” cinco e “gritar” quatro vezes.
Esta imagem “choramingona” do líder do Daesh relatada pelo presidente americano é digna de um filme, mas a verdade é que ninguém a confirmou. Tanto Mark Esper, Secretário de Defesa dos EUA, como Mark Milley, presidente do Estado-Maior Conjunto, já referiram que não têm conhecimento de que Abu Bakr al-Baghdadi se tenha comportado daquela forma antes da sua morte.
Contudo,assumiram a possibilidade de o presidente ter conversado com os comandos envolvidos na operação (sem conseguirem explicar como isso pode ter acontecido sem o conhecimento dos principais oficiais do Pentágono).
Ao New York Times, quatro autoridades do Departamento de Defesa dos EUA também explicaram, anonimamente, que não existe qualquer relatório que apoie a versão de Donald Trump, e uma outra fonte “profundamente familiarizada com a operação” garantiu que estas alegações não passam de um mero exibicionismo do presidente.
”O vídeo com imagens de drone a que Trump assistiu na Situation Room não tinha áudio ao vivo”, garantiu uma outra fonte.
Na última quarta-feira, o Departamento de Defesa dos EUA divulgou um curto vídeo a preto e branco com images aéreas do ataque ao complexo onde Baghdadi acabaria por morrer depois de detonar o colete de explosivos que envergava. As imagens mostram um grupo de soldados a aproximar-se do local, antes do bombardeamento que, garentem os Estados Unidos, só ocorreu depois de evacuados todos os sobreviventes.
A Casa Branca ainda não corroborou ou deu qualquer explicação sobre as alegações de Trump, mas Stephanie Grisham, responsável de comunicação da Casa Branca, já referiu que não serão revelados quaisquer detalhes sobre como Donald Trump recebe as informações acerca das operações.
“Não podemos apenas comemorar o facto de um terrorista, assassino e violador ter sido morto?”, perguntou Grisham, num email, desvalorizando a importância dos detalhes da morte de al-Baghdadi.
O The Washington Post fez uma contabilização das declarações de Trump que fogem à verdade desde que assumiu a presidência e o jornal refere que são mais de 13 mil as suas alegações falsas ou enganosas. Mas, para o público, isto não é surpreendente já que, em março deste ano, uma pesquisa da Reuters concluiu que apenas 19% dos americanos acha que Donald Trump diz sempre a verdade. Já 41% referiu que o presidente nunca é verdadeiro.
A vontade de Trump em denegrir a imagem de al-Baghdadi está muito ligada ao facto de o líder do Daesh ter sido o responsável pela morte de vários americanos, como os jornalistas James Foley, Steven Sotloff e o antigo soldado Peter Kassig, por exemplo. A operação que resultou na morte do líder do Estado Islâmico recebeu, aliás, o nome de Kayla Mueller, a trabalhadora humanitária que foi presa, torturada e violada por al-Baghdadi.