1. Praticamente ninguém o leva a sério
Da mesma maneira que Marcelo Rebelo de Sousa afirmou em 1996 que jamais seria candidato à liderança do PSD e de Portugal – “Nem que Cristo desça à Terra” -, também Boris Johnson é perseguido pelas palavras que um dia proferiu sobre a hipótese de liderar o Reino Unido: “As minhas probabilidades de ser primeiro-ministro são as mesmas de encontrar Elvis em Marte, ou de reencarnar como uma azeitona”. Questões divinas e gastronómicas à parte, o mais mediático, imprevisível e polémico político britânico torna-se hoje, 24 de julho, o chefe do Governo de sua Majestade Isabel II. O que parecia impossível aconteceu. O país com a mais antiga e duradoura democracia do mundo passa a ser dirigido por um indivíduo a quem toda a gente reconhece talento e carisma mas que é consensualmente descrito como um fanfarrão e um mentiroso patológico. Durante muitos anos, amigos, conhecidos e colaboradores afirmaram sempre – de forma tão categórica como cruel – que entregar o poder a Bojo (como também é conhecido) seria como oferecer uma peça de porcelana a um chimpazé. Adorado e odiado, o homem que vai assumir os destinos da Velha Albion é sobretudo apontado como um excêntrico narcisista, um artista da política espetáculo, a quem se deve dar todo o tipo de descontos. A tal ponto que, no início deste ano, em janeiro, o jornal do qual é colunista e que lhe paga 300 mil euros por ano, o Daily Telegraph, reagiu de forma elucidativa a um inquérito instaurado pela IPSO (Independent Press Standards Organization) sobre um artigo de Boris Johnson em que ele argumentava – de maneira pouco rigorosa ou mesmo intelectualmente desonesta -, que a maioria dos seus compatriotas defendia um Brexit sem qualquer acordo com a União Europeia: “(…) O texto era clara e humorísticamente polémico e não pode ser lido como uma análise séria, empírica e aprofundada”.
2. Talvez não seja tão popular e credível quanto se diz e escreve
Para o influente e quase bicentenário The Times, Boris Johnson é uma “criança” – entenda-se irresponsável. Para o implacável Guardian o Reino Unido está condenado, sob o novo chefe de Governo, a um “caos inútil”. O Financial Times, apesar de todos os defeitos, dá-lhe o benefício da dúvida. E, como seria de esperar, os tablóides e o Telegraph aplaudem a chegada do seu “dude” (gajo) a Downing Street e até já falam em “Bojo’s mojo” (a magia de Boris Johnson) para resolver os desafios que o país tem pela frente. No entanto, os estudos de opinião revelam que os britânicos ou são bastante cínicos ou acreditam não haver grandes motivos de otimismo com a entrada em cena de um novo Executivo. De acordo com uma sondagem feita pela consultora Ipsos Mori, apenas 55% dos militantes e apoiantes do Partido Conservador consideram Boris um líder competente e só 36% acreditam que ele é um indivíduo honesto ou mais íntegro que a generalidade dos seus pares na política. Escusado será explicar que as mesmas questões colocadas a simpatizantes de outras formações partidárias deram origem a resultados assustadores. A mesma lógica pode ser aplicável ao divórcio entre o Reino Unido e a União Europeia, agendado para 31 de outubro e que Boris Johnson não pretende prolongar para lá dessa data, nem que haja uma separação litigiosa: só 41% do eleitorado conservador acredita ser possível um acordo entre as partes nestes 100 dias que ainda faltam para resolver o imbróglio – valor que passa para 27% entre o total da população.
3. A sua legitimidade enquanto líder continuará a ser questionada
Boris Johnson acede ao poder após a demissão de Theresa May e, tal como define a lei britânica, o partido com maioria no Parlamento tem o direito de nomear o sucessor. O problema é que a eleição do novo líder dos tories e do país esteve longe de ser um exercício de democracia. As estatísticas falam por si. Boris Johnson conquistou 92 mil votos entre os militantes do Partido Conservador (66% do total), enquanto o seu rival nesta contenda, Jeremy Hunt, se limitou a 46 mil. O mesmo é dizer que o novo primeiro-ministro foi escolhido por 0,3% – sim, zero vírgula três por cento – dos eleitores britânicos. Como se não bastasse, convém ainda explicar quem foram os tories que participaram no escrutínio: 97% brancos, 70% homens e a maioria com mais de 55 anos e uma fortuna considerável. Daí que Jeremy Corbyn, o líder do Partido Trabalhista, tenha já admitido que pode apresentar uma moção de censura, lá para Setembro, quando forem retomados os trabalhos na Câmara dos Comuns. No seu entender, Boris Johnson foi nomeado por um “bando de fanáticos”. Já esta quarta-feira, logo que a rainha dê posse ao novo primeiro-ministro, são esperados muitos protestos em Londres. Os críticos de Bojo prometem não lhe dar tréguas e dizem estar prontos para iniciar uma campanha que alguns dizem estar inspirada no rapper Stormzy e na canção Vossi Bop. Ou seja, já esta tarde a capital britânica pode encher-se de cartazes com mensagens pouco simpáticas e muitas palavras de ordem com “f*ck Boris!” O facto de Donald Trump continuar a elogiá-lo e a intrometer-se na política de Westminster também não ajuda. O facto do Presidente dos EUA ter dito que Boris vai “fazer coisas fantásticas com Nigel Farage”, o histriónico chefe de fila dos eurofóbicos e líder do Partido do Brexit, só demonstra como a “relação especial” entre Washington e Londres vai ser posta à prova.
4. Nem a família o parece apoiar
Alexander Boris de Pfeffel Johnson, nasceu há 55 anos em Nova Iorque, quase por mero acaso. Afinal, até a sua chegada ao mundo tinha de estar envolta em episódios rocambolescos. O seu pai era então estudante de economia na Universidade de Columbia e a mãe era uma jovem pintora, Charlotte Maria Fawcett. No início de junho de 1964, o casal estava ainda no México, desorientado e sem dinheiro, após uma improvisada viagem de férias. A sorte deles foi a providencial ajuda de um amigo russo, milionário, que lhes comprou um bilhete de avião, em primeira classe, para os EUA. Charlotte estava já no nono mês de gravidez e Al (como os pais tratariam depois o bebé) acabou por nascer na Grande Maçã, a 19 de junho – como o símbolo de uma grande aventura com final feliz. Boris tem a sorte de ter ainda os pais vivos, embora se tenham divorciado há quatro décadas, mas não pode contar com o apoio de nenhum deles. A mãe tem Alzheimer desde os 40 anos e já não teve oportunidade de testemunhar a carreira política do filho, iniciada em 2001, quando ele foi eleito pela primeira vez para o Parlamento em Westminster. Quanto ao pai, antigo funcionário do Banco Mundial e ex-diretor geral da Comissão Europeia que seria depois eurodeputado, dedica-se a causas ambientais e é um dos mais conhecidos ativistas contra as mudanças climáticas no Reino Unido. Embora seja militante do Partido Conservador, especula-se que ele não terá sequer ido votar no filho. Quanto ao resto da família, quase ninguém morre de amores por Bojo. A sua irmã Rachel, além do gosto pelo desporto, herdou as preocupações ecológicas do progenitor e após ter feito nome no jornalismo e na televisão é agora uma europeísta convicta que defende um segundo referendo para arrumar de vez com os impasses do Brexit. Leo, empresário e ex-jornalista da BBC, casado com uma afegã, prefere manter-se afastado da ribalta. Sobra Jo, o único que decidiu imitar Boris e que já ministro de diferentes pastas com David Cameron e Theresa May, havendo agora a expetativa de saber se o irmão o irá repescar para o Governo.
5. A sua vida sentimental pode arranjar-lhe sarilhos
Boris Johnson é um sedutor por natureza e não é por acaso que os seus segredos de alcova aparecem demasiadas vezes nas primeiras páginas dos tablóides. Em setembro do ano passado, o Sun dedicou-lhe a manchete com o título Bonking Boris (impossível de traduzir à letra, mas que será qualquer coisa como Boris truca-truca), a propósito da sua separação de Marina Wheeler, a advogada com quem viveu 25 anos e lhe deu quatro filhos. Antes, entre 1987 e 1993, teve uma antiga colega de Oxford como mulher, Allegra Mostyn-Owen, que também lhe perdoou múltiplos affairs e gaffes – a começar pelo facto de se ter esquecido das alianças na cerimónia em que deram o nó. Agora, Boris vive com Carrie Symonds, uma especialista em marketing e relações públicas, de 31 anos, que foi diretora de comunicação do Partido Conservador. No final do ano pasado, ela abandonou esse cargo e para se tornar conselheira informal do namorado. A imprensa atribui-lhe o mérito de ter conseguido domar parcialmente Bojo e já lhe chama “Primeira Dama”. A 21 de junho, em plena madrugada de solstício, os vizinhos do casal chamaram a polícia devido aos gritos e insultos que ambos trocavam, mas a refrega parece estar ultrapassada. Esta semana, fixou a saber-se que compraram em conjunto um novo apartamento num bairro chique de Camberwell, no sul de Londres, mas que ela deverá passar muito tempo com a sua cara metade no número 10 de Downing Street. E poucos duvidam de que ela terá sido decisiva para moderar o discurso de Bojo e de o obrigar a adoptar um visual mais sóbrio e credível. Ou seja, acabaram-se, até ver, os sapatos desapertados, as camisas amarrotadas e desfraldadas, bem como a melena revolta. Habituado a seduzir no amor e na política, Boris sabe que tem agora um encontro único com a história e que não o pode desaproveitar. Afinal, desde míudo que costumava dizer que ia ser o “rei do mundo”. E também não é segredo para ninguém que ele se compara ao melhor primeiro-ministro do século XIX, Benjamin Disraeli, e também ao homem que derrotou Hitler e ganhou o Nobel da Literatura em 1953, Winston Churchill – sobre o qual escreveu uma biografia. Mas ainda é demasiado cedo para se saber se Boris, também autor de um romance chamado “As 72 virgens”, vai ser o melhor chefe do Executivo Britânico no século XXI.