Sou o mais novo de quatro irmãos, tenho poucas fotografias de infância. Há uns tempos, a minha tia encontrou duas ou três lá em casa e simpaticamente ofereceu-mas. Digitalizei-as para que, caso as perdesse, pudesse imprimi-las novamente. Só para que fique provado e documentado que um dia também fui criança. Ironicamente, o disco rígido teve um colapso e perdi quase toda a informação. Dei graças por ter guardado as impressões das fotografias e assim poder digitá-las novamente.
Sempre pensei que as crianças de hoje se iriam deparar com o problema oposto: saber como lidar com um excesso de fotografias. A solenidade do clique perdeu-se e agora para cada enquadramento param-se meia dúzia de imagens, só por causa das coisas. Essas centenas de imagens recolhidas deixam-se em pousio na máquina fotográfica ou no telemóvel, até que a memória fica cheia e passa-se para o computador ou para alguma nuvem que paire na internet. Raros são os pais que se dão ao trabalho de fazer uma seleção: para quê escolher os melhores momentos quando se podem ter todos? Além disso, apagar a fotografia de um filho é doloroso, como se se apagasse uma parte do próprio filho.O resultado, aparentemente, é um inavegável oceano de imagens, em que é difícil manter-nos à tona, quanto mais encontrar o que quer que seja.
Isto parecia mal mas afinal ainda pode ser pior. Vint Cerf, um dos criadores da internet, ‘pensador’ do Google, alertou para o perigo de tudo ficar irremediavelmente perdido, devido, essencialmente, à constante atualização ou substituição de software. Ele é do Google, ele deve saber do que está a falar. Por isso, dá o conselho: imprimam as vossas fotos. A que se pode acrescentar: imprimam os vossos textos, o email que enviaste à tua prima não vai ficar para a posteridade.
Cerf chama mesmo ao nosso tempo o século perdido. Não haverá memória do nosso presente. É um tempo em que a acelerada evolução tecnológica causou as maiores contradições.
Lembro-me nos anos 90 de um anúncio da Philips que mostrava um CD a voar por da janela de um arranha-céus e a aterrar intacto no passeio. Era fantástico. Tínhamos chegado ao registo eterno. Apercebemo-nos, depois, com a prática, que os CD não só se partem e se riscam, como os seus pequenos danos são muito mais difíceis de reparar do que os LP ou cassetes. E os ficheiros, sejam de música, imagem ou texto, revelam-se de uma fragilidade assustadora, são constantemente ameaçados por vírus, bugs, incompatibilidades informáticas.
Temos dificuldades em preservar a memória, mas nunca fomos tão obcecados em registar o momento presente. Só que é o momento mais efémero. Captura-se, partilha-se e já passou. São memórias do presente.