Oito canções, quatro autores. Um mestre, três discípulos. Cantigas de Maio é um projeto do contrabaixista Bernardo Moreira que recria grandes canções da música portuguesa através do jazz, na companhia de João Neves (voz), , Ricardo Dias (piano) e André Santos (guitarra). Neste primeiro álbum são interpretados temas de Zeca Afonso, José Mário Branco, Sérgio Godinho e Fausto.
JL: Homenagear os grandes cantores de intervenção é algo bastante comum. O que Cantigas de Maio acredita ter de diferente?
Bernardo Moreira: É uma celebração da música portuguesa do pós-25 de abril. Não tem nada de político. A partir do momento em que vivemos em liberdade, o grande desafio passa a ser o que escrever e como ficar para a posteridade. O que garantiu a eternidade destes autores foi a libertação do estigma de ‘cantor de intervenção’.
No repertório disponível no YouTube há uma música do Vitorino, que não surge no álbum… Porque escolheu gravar apenas estes autores?
Adoro o Vitorino, ao vivo tocamos temas dele. Escolhi três discípulos do Zeca Afonso que marcam profundamente a história da música portuguesa. Achei que o disco fazia sentido assim, com o Zeca como grande mentor de uma geração, e logo a seguir o Fausto, o Zé Mário e o Sérgio, que foram absolutamente marcantes. O Vitorino vem um bocadinho depois. Não quer dizer que não venha a estar num próximo disco.
Como chegaram a estas oito canções?
Fomos experimentando e tentamos escolher canções que remetessem mais para a música e não tanto para a política. Achei que estas eram muito significativas no universo de cada um.
O que significa dar uma roupagem jazz aos originais?
As músicas originais já são maravilhosas e não precisam de mais nada. Tenho a noção de que mexer nesse legado é um risco muito grande, corre-se o perigo de não trazer nada de interessante. Por isso são discos que levam muito tempo a preparar. O segundo disco sobre o Paredes levou quase 10 anos. E depois há a seleção dos músicos, também crucial.
O João Neves parece destoar um pouco do estilo de intervenção por ter uma voz mais calma e doce, menos combativa…
Ainda pouca gente falou disso. É evidente que a abordagem dele é tudo menos a de um cantor de intervenção. É hiper delicado, contido, sem exageros. Essa característica prova que as canções são eternas, não fazem sentido apenas numa determinada época. Essa forma depurada de interpretar mostra que as canções têm essa delicadeza: é só ir buscar.
Tendo mais temas em repertório, isso significa que haverá um futuro álbum do Cantigas de Maio?
Sim, é um processo em aberto. Podem ser autores mais antigos, mais recentes, e também queremos trazer originais nossos. Achamos que este disco era um bom ponto de partida. Outros se seguirão, sem dúvida.