São, ao todo, 15 temas, com letras de, entre outros, Maria do Rosário Pedreira, João Monge, Nuno Júdice e Pedro da Silva Martins, e produção de Ricardo Cruz (também no ‘baixo português’). Com uma forte projeção internacional desde o seu terceiro álbum, Outro Sentido, António Zambujo estará em digressão pela Europa a partir do próximo dia 12 até ao final de maio, com, por enquanto, apenas um concerto de apresentação em Portugal (a 24 de abril, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa).
JL: Percebe-se uma maior consistência neste disco, que encontraste, finalmente, o teu caminho. Sentes essa maturidade?
António Zambujo: Tem acontecido tudo de uma forma gradual e, talvez por isso, não sinta tanto como quem escuta. As referências são as mesmas desde o meu segundo álbum, Por meu cante, e creio que ganharam mais consistência a partir do terceiro. Neste e no anterior, o Guia, talvez se destaque mais a influência da música brasileira… Mas penso que a grande diferença deste Quinto tem a ver com o processo de gravação. Quisemos trazer um pouco do ‘ao vivo’ para o disco. Gravámos a maior parte dos temas no auditório do Centro de Artes de Sines, como se estivéssemos a dar um concerto. E, mesmo sem público, a sensação é outra: estamos os cinco em palco, a tocar ao mesmo tempo, e como existe uma grande cumplicidade entre nós, não só foi muito divertido como o resultado final ficou mais interessante.
Então o nome Quinto não é uma forma de assinalar o teu percurso, de chamar a atenção dos mais distraídos: ‘Já vou no meu quinto álbum!’…
Ou a um quinto da minha carreira [risos] Não, não tem essa carga. Surgiu, em primeiro lugar, de uma enorme falta de criatividade na altura de escolher o título. Depois por uma série de coincidências: neste quinto disco, tocamos em quinteto e, também, muitos dos autores que trabalham comigo enviaram-me quintilhas, o que é curioso porque essa estrutura poética não é muito utilizada. Além disso, sempre tive uma ligação ao número ‘5’, por exemplo, esse foi muitas vezes o meu número na escola.
Apesar de interpretares letras de vários autores, naturalmente diferentes entre si, consegues apropriar-te delas a ponto de as sentirmos como tuas. Isso passa também por uma cumplicidade com os autores?
Sem dúvida, tem muito a ver com essa ligação. Como gosto muito do que escrevem, a interpretação e a composição tornam-se mais fáceis. Quando leio um poema, sinto que ele já tem uma música própria, que só preciso descobrir a nota de cada palavra, para a valorizar. E é o que acontece com estes autores.
Já aconteceu enviarem-te um poema que não ‘canta’?
Várias vezes. Este disco tem 15 temas e tive que escolher de entre mais de 45 poemas de diversos autores, incluindo nomes consagrados em Portugal e no Brasil. Há poemas que cantam mais alto do que outros e temos que optar. O mesmo acontece com os arranjos, ficaram músicas minhas de fora porque gostava mais das de outras pessoas. Há total isenção no momento da decisão final, é a qualidade que se impõe.
Já tinhas trabalhado com todos os letristas deste disco, à exceção do Pedro da Silva Martins, dos Deolinda. Como surgiu esse ‘encontro’?
Conhecemo-nos num concerto da Ana Moura e descobrimos que éramos fã um do outro. O Pedro até já tinha uma pasta com o meu nome no computador. E foi assim que surgiram estas duas músicas dele: Algo Estranho Acontece e Queria Conhecer-te um Dia.
O Caetano Veloso considerou-te o João Gilberto de Portugal. O que pensas disso?
Acho que ele se enganou, queria dizer que o João Gilberto era o António Zambujo do Brasil [risos] Claro que me deixou muito feliz, primeiro, ter o Caetano a escrever um texto a meu respeito e, depois, comparar-me ao João Gilberto. São dois músicos que fazem parte da minha formação, e talvez os mais importantes, a par do Chet Baker e do Tom Waits. Mas se tivesse que escolher as minhas três maiores influências musicais, o Caetano e o João Gilberto estariam lá sempre. A terceira poderia variar. Por isso, a comparação que ele estabelece é, ao mesmo tempo, natural. É como aquela história: “Narciso só acha feio o que não é espelho” [cita Sampa, de Caetano]
Do ponto de vista musical, no que se traduz essa semelhança?
O João Gilberto ‘despiu’ o samba e criou um ritmo novo, só com a viola. Deixava muito espaço na música, deixava-a respirar, e cantava de uma maneira aparentemente simples mas, na verdade, muito complexa, dando total liberdade criativa para improvisar quando lhe apetecesse ou quando o poema lhe pedia para fazê-lo. E eu faço um pouco isso. Não sei se estou a ser imodesto, mas reconheço-me nesses aspetos.