São 12 temas onde troca o rap pela spoken word para nos falar sobre intimidade. Quis, por isso, envolver no álbum pessoas com quem tem uma “relação familiar”, desde a namorada e a filha (vozes) aos amigos Paulo Brighenti e Paulo Pires (conceção da capa), Aldina Soares (voz) ou Francisca Fins (violino).
JL: Como surgiu este projeto?
Carlos Nobre: Ainda andava ‘na estrada’ com os Da Weasel quando gravei as primeiras músicas daquilo que viria a ser o Algodão, e disponibilizei-as online. Depois do fim dos Da Weasel e do álbum d’Os Dias da Raiva, fiquei naquela ressaca pós-disco, então, voltei a compor alguns temas, e vi que poderiam originar um novo Algodão, já mais pensado. Fiz os arranjos a partir de poemas que tinha nas minhas pastas de “Poéticas e Prosaicas”, portanto, ao contrário dos Da Weasel e d’Os Dias…, em que a letra é construída sobre a música, aqui, é a música que se adapta às palavras.
Quase todas as letras falam de mulheres. É um disco sobre as mulheres da tua vida?
É sobre intimidade. Em conversa com a [escritora] Patrícia Reis, disse-lhe que este disco era sobre mulheres, e ela respondeu-me que era mais sobre homens e mulheres porque é a minha voz, e há uma presença masculina muito forte. E eu concordo: é sobre a intimidade de homens e mulheres.
E porquê falaciosa?
Apeteceu-me baralhar um bocado as cartas. [risos] Quando andava à procura de um título, o tema ‘A Tragédia da Nossa Paixão’ chamou-me a atenção porque discute o valor da intimidade. Nesse caso específico, não havia nenhuma necessidade de intimidade no sentido da partilha de histórias, tempo ou cumplicidade, porque nessa relação a intimidade resumia-se ao sexo. Uma falaciosa noção de intimidade só iria estragar tudo. Por outro lado, o disco é, de facto, muito íntimo, mas é aquilo que posso e quero partilhar, portanto, poderá ser sempre algo falacioso. Entretanto houve uma coisa curiosa. O Paulo Brighenti usou o ateliê para fazer a capa do disco e pintou o título numa parede que lhe é muito especial, é um espaço íntimo, de criação, onde produziu a maior parte da sua obra e, então, é como se estivesse lá tudo, mas não está nada. Passa-se o mesmo com este álbum: é íntimo mas tem limites.
O tema ‘Diz-me que eu não sou assim’ é dedicado à tua filha, e no ‘Mãe da Filha’ falas sobre a “maravilha” da paternidade. É também um disco inspirado nesta nova fase da tua vida?
Sem dúvida, sobretudo no que toca à minha maneira de estar e trabalhar. Depois de um tempo em que tive focado nisto de ser pai, acompanhar a minha namorada até ao nascimento do bebé e todo o primeiro ano, senti necessidade de voltar a criar. E a forma como vivi o processo de composição e gravação do disco foi altamente influenciada por uma estabilidade emocional.
O projeto Os Dias de Raiva tem uma carga de intervenção social e política que este Algodão não tem. Há aqui uma separação de interesses?
Sim. Os Dias… é o projeto mais físico e visceral com que já me envolvi. É deitar tudo cá para fora, e gosto muito disso. E as letras vêm de um desconforto que tem mais a ver com aquele tipo de música. Já o Algodão surge de uma de série textos que sempre escrevi e vou escrevendo, e que não imagino noutra música se não na que eu possa fazer. Uma coisa só minha. Era um gajo feliz se conseguisse viver a dar concertos d’Os Dias… e de Algodão, mais as outras coisas que vou escrevendo.