As IV Jornadas da Cátedra Internacional José Saramago da Universidade de Vigo realizaram-se entre os passados dias 2 e 4 de dezembro, em no campus de Pontevedra, Galiza. “Os desafios do nosso tempo” foram o enfoque escolhido para três jornadas de debate e leitura da obra do Prémio Nobel Português. O encontro teve como momento alto a criação da Jaganda – Rede Internacional de Cátedras, Centros de Investigação e Associações Galegas e Lusófonas, que procurará articular instituições que estudem e divulguem a palavra saramaguiana. Ouvimos Burghard Baltrusch, titular, a par de Carlos Nogueira, da Cátedra da Universidade de Vigo, fundada em 2015.
Jornal de Letras: A obra de Saramago continua a ser uma boa jangada para atravessar o nosso tempo?
Burghard Baltrusch: Como jangada literária não conheço melhor. É de uma atualidade quase chocante. Criou uma multiplicidade de imagens, figuras imensas, pôs filosofia e ética em prática. É um Cervantes do nosso tempo que, além de andar, navega.
Que ligação a aspetos políticos e sociais foram privilegiadas nas comunicações?
A ecológica, antes de tudo. A crise climática que vivemos. Os governos incapazes de declarar uma emergência climática, um stop à perda de biodiversidade, a teimosia de não quererem admitir o seu fracasso, de dizer a verdade, de ceder poder, sem esquecer a introdução de uma democracia horizontal, por exemplo com assembleias da cidadania. Estas reivindicações são do movimento Extinction Rebellion mas têm um caráter saramaguiano.Outra ligação é a da responsabilidade individual. A Carta dos Deveres e das Obrigações dos Seres Humanos, que a Fundação José Saramago acaba de entregar à ONU,

Na conferência de abertura, Grian A. Cutanda falou de rebelião não violenta, a partir de Saramago. Em que sentido?
Saramago criou, com Ensaio sobre a Lucidez, uma poderosa metáfora da desobiediência civil e da necessidade de a adptar em certos momentos da história. A sua obra sugere que qualquer orientação ética e moral só pode ser deduzida da ontologia da liberdade. As acções individuais do comissário de Ensaio sobre a Lucidez, da mulher do médico em Ensaio sobre a Cegueira, de Baltasar e Blimunda do Memorial ou dos protagonistas de Jangada de Pedra, são ruturas com as circunstâncias. Como rebelião, são escolhas livres das pessoas, mas também escolhas que transcendem a individualidade.
Estas jornadas inauguram uma rede internacional de cátedras e centros de investigação galego-lusófonas. Qual a sua missão e objetivo?
Queremos criar sinergias através de três ideias-chave: o transiberismo saramaguiano, salientando as minorias como a Galiza, berço cultural e literário de uma parte fundamental do espaço ibero-românico; a “Carta universal de deveres e obrigações dos seres humanos”; e a consciência de que as mudanças importantes às vezes só se alcançam desde posições extra-sistémicas.
Que instituições integram a rede?
Por enquanto, somos as seis cátedras Saramago existentes, outras quatro cátedras do Instituto Camões, dois institutos de investigação (Estados Unidos e Galiza), dois grupos de investigação (Portugal e Brasil), uma rede e uma associação cultural e pedagógica.