É a estreia como romancista de Marco Neves, prof. da FSCH da Universidade Nova de Lisboa, no departamento Línguas, Culturas e Literaturas Modernas, tradutor, autor dos Doze Segredos da Língua Portuguesa, de 2016, e A Incrível História Secreta da Língua Portuguesa, já deste ano. O livro, acabado de sair, intitula-se A Baleia que Engoliu um Espanhol e o JL ouviu-o a seu propósito.
Até que ponto se socorreu da sua vivência em Peniche, de onde é natural e onde passou a infância, para escrever este romance?
Quando era novo, ouvia muitas histórias, dos meus pais e avós, e lia muito, sobretudo livros de aventuras. Depois, olhava em redor e via aquele mar, cheio de grutas, enseadas, falésias, labirintos, imaginava histórias de piratas, naufrágios… Lembro-me de ler histórias de baleias e ver aquele osso de cetáceo numa igreja da Atouguia da Baleia… Foi a esse imaginário muito pessoal que foi beber este livro, no qual se misturam as histórias que ouvia, os livros que lia, os filmes e as séries que via, a terra onde vivia. É um cruzamento destes sítios reais com o meu imaginário.
A História é uma das bases do seu livro.
Sim, tem muita História dentro. Mas a minha preocupação foi contar boas histórias: não se trata de um romance histórico, mas de um livro de aventuras e viagens. A ideia inicial da sua primeira história partiu dum nome romano, Lúcio Arvénio Rústico, que apareceu inscrito em ânforas romanas encontradas em Peniche no final dos anos 90. O nome (que me foi indicado pelo António José Correia, presidente da câmara de Peniche), será de um comerciante romano de garum que tinha ali os seus fornos de cerâmica para o fabrico das ânforas para o transporte dessa espécie de condimento. A partir daí deixei a imaginação à solta, mas tentando perceber o que era o garum e quem seria este romano. Há depois outros episódios da História transformados em histórias.
Porquê a opção de contar cinco histórias ao mesmo tempo?
Este romance é uma homenagem aos contadores de histórias, dos avós que as contam aos netos, aos escritores que as recriam pelos séculos fora. As personagens contam histórias umas às outras e escrevem-nas em livros. As cinco histórias estão interligadas e, aliás, têm ainda outras histórias lá dentro. Há também uma piscadela de olho às Mil e Uma Noites e a essa necessidade de contar e voltar a contar, mudando um pouco a história e a cada conto acrescentando um ponto ou muitos pontos.
Sempre trabalhou na área da língua portuguesa, mas só agora se estreia como romancista…
Na verdade o meu livro anterior, A Incrível História Secreta da Língua Portuguesa, já foi escrito como um romance, com personagens reais e inventadas, aventuras e desventuras… O próprio título mostra esse lado ficcional, uma estratégia literária para contar a História da língua.
De que forma a sua experiência e formação linguísticas influenciaram a escrita deste romance?
Uma das ideias que tento defender nas minhas obras e artigos sobre a língua é a necessidade de a usar sem medo, de arriscar, de pensá-la também como forma de prazer… Foi isso que tentei fazer neste livro. Depois, por exemplo, o tal Lúcio Arvénio Rústico tem de usar dois tradutores para comunicar com a mulher por quem se acabara de apaixonar. Numa viagem que faz sozinho com ela aprendem a língua um do outro e criam uma outra muito misturada, só deles. JL