Ray Loriga, madrileno de 42 anos, é belo como uma “estrela” pop. Para mais, cultiva a mesma pose, com a tatuagem no braço a condizer com o cigarro ao canto da boca.
Bad boy, ou a querer muito passar por isso. Casou com uma cantora, Christina Rosenvinge, de quem já se divorciou, e atribui-se-lhe um envolvimento com a
top model Eugenia Silva. No entanto, Ray Loriga não é uma “estrela” pop, nem um actor de cinema ou televisão. Escreve. Muito bem, por sinal: romances (o primeira,
Lo peor de todo,data de 1992), guiões cinematográficos (trabalhou com Pedro Almodóvar em
Carne Trémula), crónicas (colabora com
El Pais Semanal, num painel de cronistas em que figuram Javier Marias e Almudena Grandes). Pega-se num livro dele, abre-se uma página ao acaso e compreende-se imediatamente que estamos a muitos anos luz de qualquer produto
light. O escritor trabalha a linguagem com um apuro que excede em muito o automatismo bonitinho e, sobretudo, atribui às suas personagens uma densidade introspectiva frequentemente levada ao limite. Veja-se
Héroes, por exemplo, em que Ray Loriga, com 26 anos à data da publicação do livro, se ocupa das dores de crescimento de um jovem: ”
Y qué eres ahora? Nada. Una espécie de cartucho rellenable. Pero noto que esto se acaba y me da miedo. Me siento como una serpiente que no quiere mudar la piel. No queiro tener a los padres de los cabezas rapadas bailando en mi cabeza en lugar de niños escapados de la televisión agitando sus linternas dentro de mi cabeza. No quiero perder de vista la escalera de incêndios, no quiero dibujar jirafas que parezcan jirafas, no quiero estar hibernado cien años mientras alguien encuentra la vacuna. En cualquier caso, qué más da? Por qué no fusilan a los que venden niñas muertas en los telediarios en vez de meterse conmigo? No te preocupes, dentro de algunos años lo verás todo de outra manera. Dentro de algunos años habrá outro que lo verá todo de outra manera por mí.”
Num mundo em que os livros há muito que se tornaram um objecto de
marketing como qualquer outro
, os escritores são estimulados a mostrarem-se como “estrelas” pop e a alimentarem a sua personagem para consumo público. Num mercado editorial tão grande como o de língua espanhola, essa tendência já não é nova, só mais acentuada do que antes. No mundo de hoje Natacha ou Anna Karenina seriam eclipsadas pela vida privada ou pela cor da gravata de Tolstoi. No passado sábado, o jornal
El Pais interrogava-se sobre o paradeiro de Gabriel García Marquez enquanto em Cartagena de Índias decorre o grande festival de Literatura,
Hay: ”
La ciudad hierve de escritores, y qué hace su escritor?” E a ser deliberado esse distanciamento, o que traduz? Soberba ou desapego? A busca das (des)motivações de Gabo pode ser, afinal, o grande assunto de um festival em que participam, entre outros, Vargas Llosa, Ian McEwan ou Luis Sepúlveda. Mick Jagger não faria melhor.
O escritor como estrela pop
No mundo de hoje Natacha ou Anna Karenina seriam eclipsadas pela vida privada ou pela cor da gravata de Tolstoi. A pose de Ray Loriga ajudá-lo-à a vender livros? E Gabriel García Márquez já se tornou mais romanesco do que
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