“Na essência de qualquer bom perfume há sempre qualquer coisa que fede”, a ideia é de Brian Eno, um dos maiores músicos do século XX, após meses com o nariz enfiado em frascos. As subtilezas do olfato só estão acessíveis aos mais dotados. Os outros só se apercebem quando o vizinho faz uma sardinhada, quando o carburador do carro avaria, quando o vinho se avinagra. Não há um subtexto no olfato, a não ser para narizes e escanções, que se debruçam sobre produtos muito específicos e descrevem-nos com atributos misteriosos que normalmente aplicamos ao paladar. Cheira-nos a queijo, mas não nos apercebemos através do faro que o queijo está numa tábua de madeira. E é por isso que não há arte que se cheire. Ao longo dos tempos, as artes destinam-se apenas a dois sentidos – visão e audição – sendo que este último, em estado puro, menos frequente. Cada vez mais a música é algo que também se vê – começou com os telediscos da MTV e intensificou-se com os vídeos do youtube.
Não há uma arte verdadeiramente dedicada ao olfato e só com boa vontade se pode considerar que a Escultura junta a visão e o tato, e que a gastronomia é a arte do paladar. Ouvimos e vemos e, mais do que nunca, ‘ouvemos’. O cinema, que é por excelência uma arte aglutinadora e sintética, dá os primeiros passos na busca de novos elementos. Tal já tinha sido feito em salas Imax, com condições especiais para novas sensações, mas agora chega, pela primeira, a salas comerciais portuguesas o 4D. Esta quarta dimensão é mesmo o olfato. O filme escolhido, Spy Kids, estou em crer que não deve cheirar lá muito bem. Mas satisfaz a curiosidade de testar o chamado aromoscope, que vai libertando odores condizentes com as imagens. É claro que Spy Kids não será arte. E a ferramenta só terá utilidade para além da experiência sensorial, quando ganhar uma dimensão que ultrapasse o ilustrativo. Se uma flor a cheirar a presunto provocar o riso na audiência. Rir-nos-emos então pelo que cheiramos, o que será uma experiência inédita para todos aqueles que não consomem cocaína.
Esta ferramenta traz alguns perigos. Há filmes que não desejamos cheirar nem por nada. Imagine-se o odor pesado de Leaving Las Vegas. Nesse caso, para ter uma experiência multissensorial aconselha-se antes a ter uma garrafa de uísque ao lado da cadeira e emborcar sempre que Nicholas Cage o fizer. Lá para o final, certamente que o filme não terá apenas quatro dimensões, mas para aí umas sete ou oito. E nem precisa de óculos