Sempre me encantaram as palavras, que me surgiam, desde criança, de improviso como melodia. Por isso, escolhi ser professora de Português, uma forma de ser maestrina, por instantes, da arte da Literatura. Ser escritora deu-me a possibilidade de fazer música com palavras. Entre o ensino e a escrita, existe a paixão que concilia os dois mundos pela arte que os une e a magia que se incute às palavras.
Cresci com livros, amei-os pelas histórias que me contavam, pelos mundos que me mostravam, pela companhia que me faziam. Fizeram-me crescer, compreender os outros, a vida e a morte. E li-os pela ordem certa, orientada pelo meu pai, que, apesar de ser da área da matemática e dos números, sabia a importância da leitura. Assim, foi ele que me guiou e me instigou a conhecer os clássicos portugueses, todos eles. A minha mãe, adepta de autores russos, falava-me deles. Li-os mais tarde, porque, entretanto, deixei-me fascinar pela literatura francesa: Balzac, Victor Hugo, Molière, Baudelaire…
E foi também a Literatura que me levou a ser professora de Francês. Para além da licenciatura, completei o curso de oito anos no Instituto de Francês do Porto, onde tive professores francófonos que me fascinaram com Les Fleurs du Mal. Foi nessa altura que me apaixonei pela literatura francesa. Teria, talvez dezassete anos.
Sempre tive tempo para tudo: estudar, dar explicações, ler, fazer amigos e mantê-los. Ainda tinha tempo para os cursos de línguas: o instituto de francês, de inglês, de italiano. Para quem trabalha, o tempo espalha-se para que o façamos render. Assim foi sempre para mim.
Somente depois de ter terminado o curso e de ter feito o estágio é que poderei considerar que era professora. Tinha conseguido concretizar um sonho. Ensinava Português e Francês, mas nem sempre Literatura.
Atualmente, pertenço ao quadro da Escola Secundária Inês de Castro, em Gaia. Porém, em setembro fui convidada para fazer parte da equipa do Ciberdúvidas. No entanto, como existe uma parceria com o ISCTE, irei dar algumas aulas de Português nesse estabelecimento de ensino superior. Será uma experiência diferente, embora já tenha passado pelo ensino superior, há alguns anos, o ISLA, em acumulação de funções.
Apesar de ter muitas habilitações a Francês, dediquei-me, quase exclusivamente ao Português, procurando sempre forma de retirar dos textos a magia que conduz ao fascínio. Emociono-me e desejo obter essa reação. Contagiar com a melodia das palavras é a minha missão de vida. E há em mim toda a Literatura dentro, a que li, senti, a que escrevi; por isso ensinar Português seja muito, em mim, motivar para a leitura, ensinar a ler com os olhos postos no mundo, mostrar os caminhos para se escrever mais e melhor. Métodos? A paixão, cativando para “cativar”. Semeando para fazer crescer. Emocionando, para fazer sentir.
Muitas vezes, os alunos deixam-se levar. Quando o texto “toca”, um silêncio flutua na aula, depois da sua leitura. Uma leitura sentida, expressiva, em voz alta. Por vezes, acompanhada de uma música clássica que acentua o seu sentido, que lhe dá forma e consistência e a ajuda a instalar-se no ouvido e no coração.
Os alunos ouvem. Quantas vezes pedem mais. E outra e outra vez. E a literatura humaniza, transforma, modela, esculpe, sensibiliza, molda, adapta, revela, ilumina. Precisamos tanto de nos sensibilizar para compreender. Numa sociedade cada vez mais desumanizada, precisamos de poesia. De música nas palavras. Precisamos que nos “toquem” e nos abracem. Um professor ajuda a formar pessoas e literalizá-los é a minha missão.
E a gramática? Uma forma de arquitetar a língua, de a racionalizar, de a tornar viável, correta, de a compreender, de mostrar como funciona. Manusear uma língua permite conhecê-la por dentro e por fora. O latim, que estudei durante cinco anos, ajudou-me a pensar a língua. Agora ensino-a a alunos e partilho-a com outros colegas.
Dou formação de Professores de Português há mais de 20 anos e muito tenho aprendido e crescido com eles. Idealizo e programo estas formações como se fossem para mim, pois considero que precisamos de pensar a educação, mas de a pensar com seriedade. Os professores gostam de aprender, sim, mas assuntos que têm a ver com a sua área e que os ajudem a melhorar as suas práticas. E precisam de tempo para o fazer. Enquanto formadora de professores, agradeço-lhes o esforço a que assisto para acompanharem tanta mudança, tanta alteração. É preciso muita capacidade, muita resiliência! Formar professores é contribuir para a sua atualização científica, pedagógica. É debater com eles assuntos que lhes interessam e que poderão contribuir para a melhoria do exercício da sua profissão.
Essa paixão pelo ensino ultrapassou fronteiras. Em 2014, fui convidada para dar formação em Macau a professores de Português no IPM. Foi uma experiência inesquecível, onde pude mostrar a importância de “almar” para ensinar. Para além disto tudo, sinto-me grata, porque trago mais do que o que levo. Afinal, quando dou formação, tenho sempre à minha frente vinte ou mais professores, que têm sempre muito a dar e alguma coisa a aprender.
Trago ainda em mim alguma da ingenuidade da criança que fui, uma espécie de força insistente de me manter feliz no mundo dos homens. Por isso escrevo, uma forma de me recriar, reinventar através das palavras. Desde a primária que gosto de escrever. Lembro-me de sonhar com as histórias que contava, de as escrever e de as ler à minha tia materna, quando ela ia a minha casa. Recordo-me da grande influência que teve sobre mim Sophia de Mello Breyner e procurava imitá-la, criando cenários semelhantes.
No entanto, as minhas primeiras publicações foram em coautoria com a minha grande amiga da faculdade, Judite Marques Pinto. Éramos muito jovens e trabalhámos muito para a Porto Editora, publicando em formatos digitais, inovadores naquela época. Foram desafios que nunca abandonei. Continuei umas vezes com ela, outras, sozinha, a publicar livros na área da educação. A escrita ocupava-me os tempos ditos recreativos e continuei a fazê-lo ao longo da minha vida.
Escrevi de tudo: romances, livros infantis, poesia. Escrevia como quem respira e nem sempre bem orientada em termos editoriais. Sentia que precisava de quem me indicasse as minhas falhas, me alterasse as opções, as escolhas nem sempre bem feitas. Um jovem escritor erra, falha e bate com a cabeça.
Entretanto, comecei a publicar na Manuscrito, com a chancela da Presença. Sinto-me a crescer, orientada pela minha editora, Marta Miranda. Apoia-me, aconselha-me, impulsiona-me. Aliás, toda a equipa: a Cátia Simões, a Dora Alexandre, todas elas, jovens, trabalhadoras, inteligentes têm sido um grande apoio.
Foi com elas que me aventurei a publicar o primeiro romance erótico escrito por uma mulher em Portugal – “Prova-me”. Foi uma aventura, uma ousadia. Só o fiz porque sabia que tinha a solidez de uma grande editora atrás de mim e uma grande equipa a apoiar-me. Sendo eu professora, ponderei se deveria assumir o meu nome, mas fi-lo, porque não há que ter vergonha. Aprendi, desde cedo, que o narrador não deve ser confundido com o escritor. O livro é ficcional, totalmente. Para o escrever, tive de explorar mundos que desconhecia. No entanto, escrever um romance erótico possibilitou-me trabalhar a palavra na essência da sua sensualidade, explorando todos os seus sentidos e sensações. O livro foi um sucesso. Há quem goste deste tipo de literatura. Tenho um contrato assinado para continuar. Assim farei até que a vida me leve.
Com a implementação do acordo ortográfico de 1990, surgiu a necessidade de formação. Empenhei-me no estudo desta matéria. Criei formações adaptadas às mais diversas áreas, nomeadamente à comunicação social. Assim, dei formação ao Jornal de Notícias e ao Porto Canal.
Depois dessa formação, levei a cabo um programa de televisão intitulado “Português Atual” cujo objetivo era ensinar as regras do novo acordo ortográfico, facilitando a sua aplicação. Simultaneamente, comecei a escrever uma crónica semanal para o JN sobre o mesmo assunto. Todas estas atividades foram sempre conciliadas com o ensino. A minha vida era intensa e trabalhosa, mas apaixonadamente fazia aquilo de que gostava, pois a matéria era a Língua Portuguesa e ensiná-la uma forma de estar no mundo. Depois do JN, comecei a publicar no Público crónicas de Opinião sobre educação. Atualmente escrevo apenas para o Ciberdúvidas.
Vivemos tempos complicados na educação e, muitas vezes, não chega a boa vontade dos professores para ensinar. Os alunos, não querendo aprender, dificilmente deixam que as aulas decorram com a normalidade esperada. Além disso, a classe docente está cansada, envelhecida, desprestigiada, o que não ajuda a impor o respeito necessário à aprendizagem. A pandemia agravou a situação e as dificuldades acentuam-se, nomeadamente no domínio da língua materna, relativamente à compreensão e à expressão. Os alunos estão, cada vez mais, desinteressados, desmotivados, e os professores procuram soluções “mágicas” para que eles se interessem pelas aulas. Se eles quisessem ouvir, pelo menos no que diz respeito à Língua Portuguesa, a Literatura podia ser uma solução. Retirar dela a essência e ensiná-la com alma, explicando-a, “almando-a”. Esse poderia ser o caminho, o mais simples é o do coração, invisível ao olhar, mas sentido. Assim os alunos deixassem…