A ideia nem sequer foi do presidente da Junta, aliás, o que ele queria, para os terrenos baldios da freguesia, era a instalação de um cemitério nuclear, com um emaranhado de túneis subterrâneos de paredes grossas e duas torres de apartamentos para os engenheiros e funcionários especializados. Porém, a morte de um artista autóctone, deu origem a uma série de acontecimentos que iriam alterar a paisagem daquela aldeia. O artista, morto num acidente, era muito popular, tanto pelos que o apreciavam com gosto, como pelos que o desprezavam com fervor. O que ajuda a explicar a quantidade de gente que compareceu ao seu funeral e que não cabia no velho cemitério. As homenagens de admiradores continuaram a levar centenas de pessoas à aldeia, em especial depois da construção de um mausoléu, que acabaria por se tornar na primeira peça de um complexo de sepulturas famosas.
A Assembleia de Freguesia aproveitou a vaga de turistas funerários e sugeriu um programa pos-mortem muito atraente: todas as despesas pagas, cerimónia com acompanhamento orquestral, um jazigo concebido por um artista da região, com um epitáfio escrito por um poeta laureado. O único requisito para o futuro defunto era possuir um número milionário de seguidores nas redes sociais. Foram inúmeras as personalidades, do país e do estrangeiro, a concorrer àquele programa, agradava-lhes a ideia de poderem assistir, em vida, à criação de um jazigo personalizado, com um poema mortuário por baixo do nome e de uma data de nascimento à espera da outra, como se isso os tornasse superiores à morte, por ainda respirarem por cima da tumba.
Durante o processo de construção do campus funerário foram criados muitos postos de trabalho, ergueram-se bairros para alojar os trabalhadores, abriram-se cafés, restaurantes, mercearias, lojas de recordações, ateliês para os escultores e estúdios para os poetas poderem criar uma bolsa de poemas para os mortos que estavam por vir.
Tudo jogava a favor daquele empreendimento: os bons ares da serra, as paisagens bucólicas, os promontórios com vistas magníficas para as capelas mortuárias, as águas puras, a terra fértil em vermes e microrganismos decompositores. Só o presidente da Junta não estava totalmente satisfeito e insistia na abertura de vagas para jovens embalsamadores e na criação de uma rede de túneis e de galerias em mármore para instalar sarcófagos e túmulos vitrificados. Afinal de contas, toda a gente deseja o melhor para a sua aldeia.
Cemitério de famosos
A Assembleia de Freguesia aproveitou a vaga de turistas funerários e sugeriu um programa pos-mortem muito atraente: todas as despesas pagas, cerimónia com acompanhamento orquestral, um jazigo concebido por um artista da região, com um epitáfio escrito por um poeta laureado
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