Passam no corredor à vez. Fingem correr enquanto espreitam pela porta. A ‘dança’ não é coreografada, mas tem o mesmo objetivo: descobrir o que é a Sala de Aula do Futuro (SAF), inaugurada a 10 de outubro, mas ainda desconhecida da maior parte dos cerca de 650 estudantes, do 7.º ao 12.º ano, da Secundária D. Manuel Martins. Uma aluna, mais corajosa, arrisca: “Já podemos entrar s’tor?!” É Ana, 13 anos, cara alegre, olhar vivo, do 7.º A e uma das participantes na primeira aula experimental de Físico Química e Matemática. “Nunca ouviste dizer que a curiosidade matou o gato!?”, pergunta-lhe Carlos Cunha (CC), 47 anos, professor de Físico Química e coordenador do projeto SAF. Ana ri e reponde: “Deixe-nos lá entrar! Queremos ver e experimentar”.
O professor acede e é vê-los, de olhar espantado, a perscrutar a sala, ampla, sem barreiras, longe da ideia das filas de carteiras viradas para um quadro. Aqui também há quadros. Três, mas interativos. “Notação científica”, escreve CC num deles. É o tema desta aula, dada também por Sónia Novelo, professora de Matemática. Ao mesmo tempo, a expressão aparece no ecrã do computador ligado ao quadro. Esta é apenas uma das mil utilizações que estes quadros podem ter. Espalhados pela sala estão vários computadores híbridos – podem transformar-se em tablets -, uma mesa interativa (“Parece a do CSI”, diz o Duarte), pufs coloridos, mesas baixas, uma bancada de laboratório com microscópios, tubos de ensaio, calculadoras científicas que se ligam a projetores… Um novo mundo de tecnologia.
DE ARQUIMEDES
AO POWER POINT
A SAF divide-se em cinco zonas, cada uma com uma cor associada: Apresentar (laranja), Investigar (roxo), Criar (verde), Colaborar (azul) e Desenvolver (vermelho). A cor do chão identifica-as. Há muito mais que as distingue. E tudo começa na zona Apresentar. O primeiro grupo de nove alunos – o 7.º A foi dividido em dois grupos, pois não devem frequentar a SAF mais de 15 estudantes no total – senta-se nos bancos, duas estruturas móveis, de madeira, com dois ‘andares’. CC explica-lhes ao que vêm. Atrás de si, no quadro interativo, pode ler-se o resumo do que vão fazer. Na SAF utilizam-se metodologias de inquiry-based learning, ou seja, aprendizagem baseada na investigação.
O objetivo do trabalho é pesquisar sobre a história da notação científica (forma de escrever números que acomoda valores muito grandes, como 100000000000, ou muito pequenos como 0,00000000001). É preciso descobrir quem a criou, em que contexto, como e porquê. Depois aprender como expressar ambos os números e dar exemplos. No final há um power point para fazer e apresentar a toda a turma. Mas os alunos não vão todos fazer tudo. São novamente divididos, desta feita em três grupos de dois e um grupo de três, e têm agora cerca de 30 minutos para completar o projeto – cada aula tem 45.
Duarte e Assan estão a ‘Investigar’ quem desenvolveu a ideia. Rapidamente descobrem num dos computadores disponíveis, com ligação à internet, que foi Arquimedes. “Estava ansioso por trabalhar aqui”, diz Assan. E estão a gostar?, perguntamos. Duarte não se faz rogado: “É um paraíso!” Mais uns cliques, mais umas perguntas que encontram resposta e preparam já um power point para passarem, via pendrive entregue pelo professor, aos colegas da zona ‘Criar’. Emanuel e Ana estão a trabalhar no layout do power point e todas as informações são bem-vindas. Também eles estão entusiasmados com a SAF. “É fantástica, temos aqui uma tecnologia muito avançada. É muito fixe”, remata Emanuel.
Os professores ‘saltam’ de grupo em grupo para ajudar a agilizar os processos. “É um espaço muito agradável que permite atividades muito giras com os alunos. Claro que requer muito trabalho de background e de coordenação entre professores, mas quando há vontade tudo se consegue. Acredito que para os alunos esta articulação é muito benéfica”, sublinha Sónia Novelo. “Uma das grandes vantagens da SAF é que se pode adaptar a muitas disciplinas”, acrescenta CC.
Os estudantes das zonas ‘Colaborar’ e ‘Desenvolver’ procuram nos portáteis híbridos exemplos de números grandes e pequenos. Encontram o ano/luz e o átomo, respetivamente. Querem passar a informação num documento word, mas descobrem que os portáteis não têm o programa Office instalado. “É tudo tão novo que ainda não nos tínhamos apercebido desta falha. Vamos resolvê-la rapidamente”, diz o professor. Mas ninguém se atrapalha e os colegas indicam o link da página onde foram buscar a informação.
Entretanto, os 45 minutos da aula voaram – “Aqui parece que o tempo passa mais depressa. É mesmo fixe”, diz Edson. O power point não chegou a ser concluído, não pelo facto dos alunos não terem acabado o trabalho, mas porque entretanto a ligação à internet se perdeu. “Usamos a rede da escola, mas já percebemos que é insuficiente. Mais uma aresta a limar”, afirma. Os alunos saem para dar lugar aos colegas que ficaram noutra sala a fazer uma ficha de Físico-Química. “Continuamos para a próxima, não é s’tor!?”, pergunta a Ana.
Novo grupo, novas investigações, novo power point. Inês e Vagner esmeram-se nolayout e inserem uma imagem de Arquimedes. Chega a hora da apresentação. Joana e Marta ficaram encarregues da contextualização histórica. A custo, os professores lá conseguem convencer Joana. Timidamente vai explicando aos colegas o que aprendeu até que é ‘salva pelo gongo’, mais precisamente, pelo toque de saída. “Oh, foi pena não acabarmos”, diz alguém. A adaptação ao futuro faz-se devagar.
PROTOCOLOS E PARCERIAS
Carlos Cunha além de coordenador da SAF é responsável pelo Clube do Ambiente da escola, em regime de “crédito de boa vontade”, como diz rindo. Desde 2009 que tem participado em vários projectos da European Schoolnet (EUN), uma organização sem fins lucrativos que envolve vários ministérios da Educação europeus. Nesse âmbito visitou o Future Classroom Lab (FCL), um dos projetos da EUN, em Bruxelas. Maravilhado com as potencialidades daquele espaço quis trazê-lo para a escola onde trabalha há 14 anos. Em março de 2012 enviou o primeiro e-mail. Responderam-lhe a Casio, depois a Texas Instruments, a J. Roma e a Promethean, a Microsoft, entre muitas outras.
Assinaram protocolos com a escola de cedência de material e estabeleceu-se a parceria com a Direção-Geral de Educação, do Ministério da Educação e Ciência. De Bruxelas, além da ideia original, chegou a autorização para a utilização de todos os materiais de layout do espaço, igual à do FCL. A escola financiou o resto: pinturas, tratamento do chão, segurança da sala e sua decoração. E Carlos Cunha, verdadeiro entusiasta do projeto, tem dado várias horas de formação aos colegas.
“Para os alunos de hoje, as salas de aula ‘tradicionais’ já não chegam. É preciso que dirigentes e professores percebam isto. Se não usarmos estratégias diferentes, se não nos adaptarmos, temos a batalha do sucesso escolar perdida. Um quadro negro contra a internet, telemóveis e televisões com 150 canais não vai vencer. A SAF mobiliza os alunos para a aprendizagem”, garante. A sua expectativa é que este modelo se possa reproduzir em muitas mais escolas do país: “Acredito que é possível fazer mais salas destas com a tecnologia que já existe nas escolas, fruto do Plano Tecnológico. É uma questão de organização e, muitas vezes, apenas de recolocação de materiais num mesmo espaço. Se os professores gostarem do conceito então a cada ano que passa, com o orçamento da escola, podem comprar novos equipamentos”. Carlos Cunha reconhece que para dar uma aula na SAF há muito trabalho prévio. Mas conclui: “Só custa enquanto não se tornar uma rotina. A partir do momento em que as aulas forem acontecendo, vamos ficando com uma biblioteca de recursos cada vez maior. Depois disso, o céu é o limite”.