Ficamos sempre admirados com a facilidade com que, nas questões ambientais, em particular climáticas, a opinião pública vacila perante o que parecem ser divergências científicas. Muitas vezes, pequenas e naturais polémicas, sobre detalhes, são apresentadas como colocando em causa as teses de fundo, em particular, no que diz respeito a coisas tão magnas como as alterações climáticas, a redução brutal da biodiversidade, ou a acidificação crescente dos oceanos.
Mas ainda mais extraordinário será verificar a assimetria entre o que de monstruoso e assustador se joga na possibilidade de colapso ambiental, e a relativa exiguidade daquilo que foi efetivamente realizado pela comunidade científica para o enfrentar. Vejamos apenas dois exemplos, para não ferir a sensibilidade de leitores mais suscetíveis. Primeiro, apesar de termos literatura sobre alterações climáticas, desde pelo menos o ensaio pioneiro sobre o tema elaborado por Svante Arrhenius, em 1896, a verdade é que só em 1988 se constituiu o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla inglesa), só nas últimas três décadas começou a existir algum investimento significativo para os estudos e as investigações mais aprofundadas na área climática.
Segundo exemplo: embora o grau de consciência pública geral e a informação científica disponível sobre os grandes problemas da constelação ambiental, do clima à biodiversidade, dos oceanos a escassez de água doce ou à energia, tenham aumentado significativamente, a verdade é que se compararmos o que as sociedades investem no estudo e na proteção do ambiente com aquilo que investem na defesa militar e no business as usual, é impossível não ficar admirado com a vantagem esmagadora deste segundo termo da comparação.
Seria absurdo e mesmo contrafactual não considerar hoje a crise do ambiente como objeto da atividade científica. Importa, todavia, reconhecer que ela só adquiriu essa condição tardia e penosamente. E esse facto, essa integração tardia e a contragosto da crise do ambiente entre os objetos da episteme não se ficou a dever a qualquer negligência, omissão ou esquecimento, mas está inscrita na própria matriz da ciência moderna.
A ciência moderna não nasceu para causar alarme social, para perturbar as almas com visões assustadoras sobre perigos futuros. A ciência moderna, como o referiu Descartes, nasceu para aumentar exponencialmente os confortos materiais e a duração saudável da existência humana. Ou ainda, como escreveu Francis Bacon, “para o alargamento das fronteiras do império humano à produção de todas as coisas possíveis.”
A ciência moderna ergueu-se para nos dar boas notícias, para se transformar no braço armado e conquistador da utopia, trazendo-a do futuro ao presente, dos céus à terra, para fazer do hedonismo não uma escola de pensamento moral, mas uma experiência vulgar para os cidadãos das modernas sociedades técnico-científicas. A crise do ambiente, pelo contrário, fala-nos de alarme e não de esperança. Incita-nos à moderação e à prudência, não à conquista e à glória que a acompanha. Daí o seu atraso, a sua dificuldade em entrar de pleno direito na moderna cidade da ciência.