JL/Educação: O documento de trabalho disponível sobre esta fusão afirma que não se tratará apenas de juntar duas instituições para que tudo fique na mesma. Quais serão as mudanças fundamentais?
António Manuel Cruz Serra: É preciso que consigamos organizar uma universidade onde seja possível manter a autonomia das grandes escolas, com uma reitoria forte, capaz de definir políticas e indicar caminhos, criando plataformas de trabalho transdisciplinares que ponham investigadores das diferentes faculdades a trabalhar em conjunto. Os grandes desafios de investigação dos nossos dias estão nos temas de fronteira entre as diferentes áreas do saber. É absolutamente vital que os nossos investigadores criem sinergias para atacar esses temas.
Como por exemplo?
Um dos grandes desafios na investigação de hoje é sermos capazes de trazer o know how tecnológico para as ciências da saúde e da vida. É algo que o IST e a Faculdade de Medicina têm vindo a fazer, nomeadamente num mestrado integrado em Engenharia Biomédica, de enorme sucesso. Há vários projetos, mas pode-se fazer muito mais. Deve trazer-se para este trabalho outras escolas e faculdades. A nova Universidade (NU) só será melhor do que a mera junção das duas, se for capaz de criar estruturas que ponham a trabalhar em conjunto investigadores e de ter uma política que obrigue a uma cultura de universidade. Esta fusão é uma oportunidade única, do ponto de vista da vida cultural em Lisboa, é uma das principais iniciativas que a pode mudar.
A mobilidade dos estudantes será uma das mais-valias?
A mobilidade é vital. Temos que garantir que, pelo menos nas competências transversais – porque algumas das nossas formações são muito vocacionais – a mobilidade é possível. Por exemplo, os alunos de uma escola da UTL poderão, se quiserem, ir estudar uma língua, História de Arte ou ainda uma tecnologia diferente daquela em que fazem o curso. Temos que ser capazes de promover a mobilidade ao longo de toda a universidade.
E como lidar com a burocracia desses processos?
Burocracia extrema não é possível. Temos nos currículos a obrigação de fazer determinados ECTS (European Credit Transferand Accumulation System, ou seja, Sistema Europeu de Acumulação e Transferência de Créditos) em áreas que não são a de formação principal ou secundária dos cursos. Devíamos decidir que pelo menos essas disciplinas possam ser feitas em qualquer das faculdades ou institutos da NU, independentemente da vontade dos coordenadores de curso.
Quais os seus sonhos para a NU?
Que seja uma instituição com maior relevância na vida nacional do que aquela que as universidades têm hoje. Temos a aspiração de influenciar, para melhor, as políticas públicas, do Ensino Superior mas não só. Também as de Energia, Urbanismo, Transportes, Saúde, Direito, etc. A NU terá todos os saberes.
E quais os maiores riscos da fusão?
Do meu ponto de vista, o maior risco é a eventual perda de autonomia de algumas das grandes escolas. Isso não pode acontecer, porque não é possível gerir centralmente uma universidade desta dimensão. É imprescindível que haja autonomia administrativa, financeira, patrimonial, científica e pedagógica nas escolas onde exista massa crítica e competência para a exercer. De outra maneira trabalharemos pior.
Depois da decisão tomada, o que se vai seguir?
Vamos ter um período de grande complexidade de negociação com o governo sobre o que consideramos fundamental na NU. Principalmente terá que haver a reposição de algumas condições previstas no regime jurídico das universidades e na Constituição da República relativamente à autonomia. Para trabalharmos melhor precisamos de ter mais autonomia, o que também significa mais responsabilidade. A demonstrá-lo temos muitos anos de boa gestão dos dinheiros públicos. Não contribuímos para aumentar o défice das contas públicas. Gostava que os decisores políticos pensassem que as instituições que demonstram vontade de controlar a nossa autonomia, não têm resultados tão bons como os nossos.
Um dos pontos negativos apontado à fusão é uma eventual sobreposição de funções, com os consequentes despedimentos…
Isso é algo que não vai existir. O primeiro grande problema da universidade portuguesa é o baixíssimo financiamento per capita de estudantes. Em 2008, era 30% abaixo da média da OCDE. Estamos abaixo do financiamento per capita do Ensino Secundário, o que é gravíssimo. O segundo problema é a falta de renovação do corpo docente. Temos uma década, ou mais, de restrição na contratação e um rácio alunos/professores 20% acima do padrão. Há também um número de catedráticos muito baixo. Precisamos de mais professores e temos consciência de que não aumentaremos esse número enquanto o financiamento for este, pois as universidades têm que ser sustentáveis do ponto de vista financeiro.Por outro lado, há também uma enorme falta de pessoal não docente. Nas poucas funções em que há sobreposição, como nas reitorias e ação social, as pessoas irão trabalhar noutros projetos da universidade. Esta fusão não tem nada a ver com a fusão das empresas. Ganharemos escala, seremos capazes de ter uma universidade que conta do ponto de vista nacional e internacional. Faremos uma grande universidade de investigação que reúna todos os saberes, ultrapassando uma situação de mais de um século, em que temos uma universidade a que faltam metade das valências e outra a que falta outra metade.
E qual será o nome da nova Universidade?
É um assunto ainda a discutir.
A NU necessitará de um reitor. Está nos seus planos candidatar-se?
Não gostaria de falar sobre isso, porque penso que não devemos misturar as questões da fusão e da nova organização, com questões mais laterais como o nome da universidade ou a equipa reitoral. Tudo será decidido pelo conselho geral da NU que for eleito.