JL: Qual a ideia inicial do filme?
Diogo Varela Silva: Já há muito tempo queria fazer um filme que retratasse a importância das coletividades. Era onde se agregava a malta mais nova e davam-lhe hipóteses de fazer coisas. Havia o desporto e o fado. Era algo muito vivido que estava a desaparecer. A premissa do filme era essa. Com o passar do tempo começou a ver-se a gentrificação de Alfama, com os locais a serem corridos dali, a tornar-se uma meca do airbnb e a ficar cheio de turistada.
E depois veio a pandemia…
E o bairro ficou vazio. Assustador. Tiras dali os turistas e aquilo é uma aldeia abandonada. Achei quer era o momento ideal para mostra as mudanças.
No que se irá transformar Alfama?
O bairro e o bairrismo como o conhecíamos acabou ou está em vias de extinção. No que se vai transformar, que caminhos vai tomar, é o que quis perceber . Mas acabei por não chegar a nenhuma conclusão…
Pelo caminho revelas um passado em que se fala, por exemplo, do calão dos bairros…
O badão cali, que é uma coisa em vias de extinção. Em Alfama ainda se encontram os putos a falar, mas na Mouraria está perdido. A Mouraria deve ser o bairro mais multicultural da cidade, estão mais de 70 nacionalidades ali representadas. Um pote enorme de mistura, mas o bairro ainda é vivido. Em Alfama já não é assim, está virado para o turismo, muito arranjadinho.
Tu também és de algum desses bairros?
Eu sou do Campo Santana, mas vivi intensamente Alfama, porque a minha avó [Celeste Rodrigues, irmã de Amália Rodrigues] cantava ali. Lembro-me de ir com ela para o Embuçado e depois para a Parreirinha, da Argentina Santos. Dou-me bem com as pessoa do bairro. E também com os da Mouraria, porque ganhei o carinho deles quando fiz o filme sobre o Fernando Maurício. Seria impossível fazer este filme assim sem esses laços.
Há esperança nas coletividades?
Estas três em que me foquei continuam muito ativas e com uma ligação próxima dos bairros em que estão inseridas. Mas durante a pandemia acabou a dos Vendedores de Jornais da Madragoa. É pena. Por exemplo, o Camané ganhou a grande noite do fado a representá-los. Mesmo a nível político estas coletividades tiveram um papel importante, era um reduto onde a malta de esquerda se podia reunir longe de olhares pidescos. A maior parte delas mantém-se agarrada à cena das marchas. Deveriam, no entanto, ter uma relevância maior do que a marchinha de Santo António.
E então…
Vão acontecer mudanças. Têm que integrar quem chega. Na Mouraria isso já vai acontecendo. Em Alfama é mais difícil porque aquilo está muito agarrado às questões imobiliárias.