Homenageado no Festival de Roterdão, Edgar Pêra conversa com o JL, sobre a retrospectiva e o seu olhar sobre o cinema.
JL: Quantos filmes já fizeste?
Edgar Pêra: Não sei. Parei de contar aos 100.
Como foi feita a seleção para Roterdão?
Eu tinha uma proposta, mas quem tomou as decisões foi o Olaf Müller. O mais inesperado é que os Movimentos Perpétuos foram preteridos pelo Virados do Avesso, porque ele viu o filme despido de preconceitos e viu uma continuidade de A Janela, e outros filmes, apesar do guião não ser da minha autoria. Por isso, ele construiu uma visão à volta dos meus filmes.
Dizes que o teatro é melhor do que o cinema, por ter a nobreza de ser feito apenas para o público daquele espetáculo. É por isso que que refazes constantemente os teus filmes, como uma tentativa de chegar a esse lado irrepetível do teatro?
O sarilho é quando tenho de ver os filmes outras vezes. Não se passa com todos. Mas com alguns, como Manual de Invasão, em que o filme se transformou numa performance.
Todas as cópias são pintadas de maneira diferente. Não existe um original. Este último foi criado à volta da ideia de cinema puro, pintando-se na película, como fazia o Norman McLaren.
O cinema é tido como uma arte complexa e cara. Mas a tua extraordinária produtividade faz sugerir que não tem que ser tão complicado como isso, que também há uma maneira mais rápida de fazer cinema…
Demorei quatro anos a fazer A Janela, um ano e meio a fazer Os Caminhos Magnétykos. A questão é que sempre fiz coisas pelo meio. Enquanto estou à espera, na fase de preparação, tenho tempo para outros projetos, até porque uns filmes alavancam outros. Os meus filmes mais longos são muito bem preparados e pensado, não é experimentalismo puro. Sou um realizador experimental apenas em alguns projetos.
Trabalhas de forma muito livre, dando autonomia aos atores e técnicos… E não dás uma margem muito grande a ti próprio na montagem?
Um guião só se escreve na montagem.
Eu vou filmando várias situações possíveis, acrescentando ideias e depois na montagem junto os pedaços. Talvez tudo isto parta do meu fascínio pelos Legos. A ideia é juntar elementos que se possam encaixar uns nos outros.
Os planos têm que ter esse lado orgânico, de poderem existir em diferentes contextos. Essa permutabilidade permite-me centenas de hipótese em relação a uma sequência. Mas quando se começa a montar, como que se define um padrão e tudo o resto tem que ir atrás.
Não te sentes um extraterrestre no cinema?
É como diz o Lovecraft, não interessa se apenas sete pessoas vão compreender o meu trabalho, o que interessa é que seja a expressão autêntica de mim próprio. Se for verdadeiro na minha autoexpressão, com sorte vou parar a caminhos por onde os outros não foram. Claro que há outros filmes em que vejo que os realizadores também tentaram ir o mais longe possível.
Fizeste um filme concerto deslumbrante aqui em Roterdão. O que há de fixo aqui?
É muito performativo. Depende da sala, do ambiente, dos atores. As pessoas que foram àquele espetáculo podem dizer que viram algo que mais ninguém viu. E gosto muito dessa ideia. É totalmente definitivo. Por isso é que digo que o teatro é melhor do que o cinema.
Quanto mais perto de tocar no público. O teu ideal era que o público entrasse para dentro do ecrã e o ecrã para dentro do público?
Sempre quis ter um ecrã que funcionasse como espelho. Interessome pelo espectador tanto ou mais do que Hollywood. Só que não é para fazer dinheiro. Posso agredir, chocar, seduzir. Mas tudo isso revela que estou muito interessado nele.