Menina, filme da lusodescendente Cristina Pinheiro, com Beatriz Batarda e Nuno Lopes, estreia em Portugal, depois de um percurso por festivais internacionais. Leia aqui a entrevista feita com a realizadora, em Gotemburgo, onde recebeu o Ingmar Bergrman Award,
JL: Onde termina a autobiografia e começa a ficção?
Cristina Pinheiro: Estou por todo o lado. A minha vida é aquilo que mostro do meu pai. Quando ele morreu, tinha 30 anos. Faltava-me perceber bem quem ele era. Tenho a sensação de que só a partir daí me tornei adulta. Estar perante a morte do pai ou da mãe é estar perante a sua morte.
Os seus pais são emigrantes. Integraram-se numa comunidade portuguesa em França?
Eu nasci em França e sentia-me francesa, mas cada vez que entrava em casa estava em Portugal, como se fosse uma ilha. Comia comida portuguesa, falava português. Até entrar na escola não falava uma palavra de francês. Havia uma grande confusão em mim entre as duas culturas. Não sabia o que escolher. Quis mostrar isso no filme: não é necessário escolher o que quer que seja, nem uma língua nem uma revolução. É por isso que o filme começa no 25 de Abril e acaba no 14 de Julho (dia da tomada da Bastilha), porque eu sou fruto dessas duas revoluções.
Foi para resgatar as raízes que fez este filme?
Comecei a escrever a história por causa da morte do meu pai. Mas durante o processo de escrita perdi a minha mãe. Além da tristeza de ter ficado órfã, sentia que tinha perdido a minha ligação a Portugal. Como se perdesse Portugal inteiro. A minha mãe era a árvore que escondia a floresta. Tinha medo de não voltar a falar português, de não comer mais chouriço. Por isso este filme foi mesmo muito importante para mim. Tomei a decisão de fazer um casting em Lisboa, encontrar o Nuno Lopes e a Beatriz Batarda. Agora já tenho outra família. Quando vou a Lisboa falo com o Nuno, a Beatriz e com outros. Estou muito orgulhosa desta minha família de ‘cinema’. Esta também é a herança dos meus pais: a sorte de ter Portugal.
Como descobriu o Nuno e a Beatriz?
A minha diretora de casting mostrou-me uma fotografia do Nuno. Mas eu recusei, disse-lhe que não queria um top model. Três semanas depois mostrou-me outra fotografia, com um ar mais velho, e pareceu-me melhor. Aproveitámos o facto de ele estar em Paris para marcar uma entrevista. Achei que ele era perfeito para o papel. Depois, ele disse-me que conhecia a melhor atriz de Portugal. E trouxe-me a Beatriz. Quando ela fez o casting, chorei tanto. E não sei porquê, ela nem é fisicamente parecida com a minha mãe, mas transmitiu-me muitas emoções. São ambos atores muito generosos.