O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu, um documentário de João Botelho, em jeito de homenagem a Manoel de Oliveira, estreia-se em sala, amanhã, 13, depois de ter passado no IndieLisboa. O JL Falou com o realizador que, entretanto, está a preparar a adaptação ao cinema de A Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto
JL: Este é filme é o seu olhar pessoal sobre Manoel de Oliveira?
João Botelho: É uma declaração de amor a Manoel de Oliveira. Não à sua vida, que é fascinante, mas sim ao seu trabalho. É o pagamento de uma dívida. Aprendo cinema com ele. Ainda na Escola de Cinema assisti à rodagem de Um Amor de Perdição. A partir daí fui confidente e amigo. Ele não gostava de discípulos, dizia: “Nunca se copia ninguém, faz-se aquilo em que se acredita”. O filme serve para lutar contra o esquecimento. Fazem-se homenagens às pessoas, mas os filmes ficam para a vida. Para a minha vida, dos meus netos, trinetos… É uma pequena introdução à obra monumental dele. E algo muito pessoal.
É para acentuar esse caráter pessoal que optou por dar a sua voz ao filme?
Nem gosto da minha voz. Mas acho que tinha de ser assim, sincero, para ser pessoal, meu, sem ser de mais ninguém. Ele ensinou-me: uma posição de câmara para cada situação. Só que a câmara pode estar no alto, em baixo, mais à esquerda… O filme não é a história, mas sim o modo de a filmar.
Que mais ele lhe ensinou?
Tantas cosias… A economia do cinema. Dizia: “Se não tenho dinheiro para filmar a carruagem, filma apenas a roda. Mas filmo bem a roda”, E dizia-me outras coisas como: “Filme a sua rua e não a minha, porque a conhece melhor “.
É um filme didático?
Sim, vai passar em escolas, para perceberem que o cinema não começou com o Tarantino. E o Oliveira viveu o cinema todo. Essa era a grande valia dele.
Foi um quebra-cabeças escolher os excertos de filmes?
Sim, revi muitos filmes. O que gosto mais é de Um Amor de Perdição, mas gosto muito de muitos outros. Ele fez quase 40 filmes. A sua vertigem cinematográfica começou aos 70 anos. Não poderia falar de todos. Foi mais difícil essa parte do que a curta-metragem.
Como surgiu essa curta?
É uma ideia de história de redenção que o Oliveira me contou em quatro linhas. Na fase final, ele preocupava-se muito em regressar à inocência dos primórdios do cinema. E eu quis fazer isso. Ele não gostava do cinema dos centros comerciais, com pessoas a comer e a mexer no telemóvel . Isso irritava-o.Queria voltar à simplicidade, de ver e ouvi r. É um cineasta do tempo e não do movimento.
O seu filme é um exercício de grande liberdade, pois inclui uma curta de ficção num documentário…
Há uma tendência para catalogar as coisas. Uma grande ficção normalmente é um documentário monumental, e um grande documentário é também ficção. Há a ideia de que é preciso mentir e mentir para chegar à verdade. O Manoel de Oliveira dizia-me: “No cinema é tudo falso. A verdade é o que as pessoas sentem perante a falsidade que está no ecrã.”JL