Os avós estão em grande na competição nacional de longas, com duas obras exemplares de documentário íntimo, pertencente quase a um subgénero, que se poderia chamar o realizador ao espelho. Ou, no caso, as realizadoras, Margarida Leitão e Catarina Mourão, presenças regulares em festivais de cinema, que à medida que procuram consolo ou abrigo nos avós, vão-se encontrando a si próprias.
Gipsofila, de Margarida Leitão, é de uma intimidade arrasadora. Em vez de fazer um filme sobre a avó, faz um filme sobre o filme que se propõe a fazer, dando-lhe assim um carisma de autenticidade brutal. O filme é um ato de coragem, como se a realizadora se despisse perante as câmaras, revelando a sua intimidade, à medida que se aninha no colo da avó. Parte exemplarmente do microcosmos para o macrocosmos, num confronto de solidões simultaneamente particular e universal. Não perdendo, nem por isso, a consciência do cinema. Nem ela, nem nós. Como no momento em que, meias adormecidas no sofá, Margarida diz: “Isto é um filme sobre pessoas a dormir, nada que não tenha sido já feito”.
Catarina Mourão revela-nos que é neta do escritor Tomás Figueiredo, reputado homem de letras do Estado Novo, que rapidamente caiu no esquecimento, apesar de dar nome a várias ruas (as suas ruas são sempre nas traseiras de qualquer coisa, diz a realizadora). Tomás de Figueiredo faleceu pouco depois de Catarina nascer.
Essencialmente, há no filme uma busca da identidade. Primeiro, procurando conhecer o avô, numa aproximação afetiva tão forte que, por vezes, chega a defendê-lo ou a tentar compreender e justificar alguns dos seus atos. Mas também essa autodemanda, de quem recua ao passado para se encontra ou descobrir um sentido.
Na ficção, duas obras que subtraem os géneros, cruzando-os com documentário. Em Uma rapariga da Sua Idade, Márcio Laranjeira espelha o espírito geral de uma geração perdida e desamparada, em busca de um caminho, através de uma espécie de diário íntimo de uma rapariga. Um filme cheio de telemóveis, conversas de café e dúvidas existenciais.
António Borges também aposta nessa combinação de géneros, no que vulgarmente se chama ficções do real. Em Os Olhos de André as personagens falam de si próprias.
Curiosamente, alguns dos nomes maiores estão nas curtas-metragens, que apresenta um programa de luxo, que inclui Fora de Vida, o cinema de bairro da dupla Filipa Reis e João Miller Guerra, em que recuperam personagens de filmes anteriores, enquanto preparam a primeira longa. E também um novo filme macaense de João Pedro Rodrigues e João-Rui Guerra da Mata, uma animação de André Ruivo, e obras de Jorge Pelicano, Manuel Mozos, Miguel Seabra Lopes ou Jorge Cramez.