Os cartazes do filme E agora? Lembra-me, de Joaquim Pinto, colados na fachada por remodelar, confundem-se ainda com muitos outros, que desfilam rua acima, a anunciar todo o tipo de acontecimentos. Só quando entramos no n.o 15 da Rua do Loreto, junto ao Largo Camões, temos a certeza que vai mesmo acontecer: o Cinema Ideal, o mais antigo de Lisboa, reabre a 28 de agosto, quinta-feira, com a estreia em sala do novo filme de Joaquim Pinto (ver crítica de Manuel Halpern), e a reposição de A Desaparecida, de John Ford. Esta será, de resto, a linha da programação, mostrar sobretudo cinema português e filmes estrangeiros clássicos.
“Parece muito atrasado, mas, na verdade, está quase pronto”, diz, ao JL, Pedro Borges, da produtora e distribuidora Midas Filmes, responsável pelo projeto. Na entrada, pode ver-se a estrutura do que será a bilheteira e, mais à frente, a cafetaria. “A ideia é as portas do cinema estarem sempre abertas, para quem queira vir a uma sessão ou apenas tomar café”. Todos os dias, do meio-dia às duas da manhã. Sempre com dois filmes ‘em cartaz’, em sessões alternadas. E ao fim-de-semana com sessões para famílias.
A sala, agora revestida de cortiça, ocupa dois pisos: o primeiro com uma plateia de 132 lugares, e o segundo, onde se manteve o balcão original, com 45 cadeiras. Por aqui passará o que de mais importante se fez, e faz, no cinema em Portugal.
Até ao final do ano, está prevista a estreia do filme Os Maias, de João Botelho, na sua versão mais longa, um exclusivo do Cinema Ideal (a 11 de setembro, mês em que o cinema celebra 110 anos). Também a exibição da última longa-metragem de Paulo Rocha (1935-2012), Se eu fosse ladrão, roubava, e das cópias digitais e restauradas de Os Verdes Anos e Mudar de Vida, ambos dos anos 1960. Numa parceria com a Cinemateca, herdeira dos filmes do realizador.
Muitos outros estão já “apalavrados”, adianta Pedro Borges. Entre eles, o novo de Pedro Costa, que acaba de estrear em Locarno; a primeira longa que João Salaviza está a preparar; o novo documentário de João Canijo, também ainda por terminar; Lacrau, de João Vladimir; e um programa com três curtas de Gabriel Abrantes. “E espero poder estrear o novo de Manoel de Oliveira”, confessa.
Os bilhetes custarão entre cinco e sete euros, à exceção de quinta-feira (o “Dia Ideal”), em que serão sempre cinco euros. Existirá também um bilhete-donativo, que permite ao espectador pagar uma quantia maior para apoiar os custos do projeto.
A ‘CASA’ DO CINEMA PORTUGUÊS
Uma sala “esteticamente simpática”, com equipamento de “muito boa qualidade”, num espaço “convidativo ao convívio”. Foi a ausência de um cinema assim, face ao encerramento de muitos ‘cinemas de bairro’, em Lisboa, que levou Pedro Borges a querer abrir um. “A Midas quer mostrar um certo tipo de filmes, entre os quais estão naturalmente os portugueses, e subsistia uma contradição entre o cinema que queremos mostrar e as salas que há para fazê-lo”, explica. “É preciso cinemas que se pareçam com os filmes”.
A recuperação do cinema, que já foi Salão Ideal, depois Cinema Ideal, Cine Camões e Paraíso, iniciou-se em dezembro de 2013, assim que a Casa da Imprensa, proprietária do edifício, o libertou dos antigos inquilinos. Com um custo de mais de 500 mil euros, incluindo equipamento, o projeto, a cargo do arquiteto José Neves, foi suportado quase integralmente pela Midas.
“Nestes últimos nove meses, não houve a mais mínima intenção da Secretaria de Estado da Cultura de sequer conhecer o projeto, as pessoas envolvidas, a programação. Nada”, lamenta. “Pelo contrário, a Câmara Municipal de Lisboa conhece o projeto desde o início e financiou-o em 50 mil euros. Independentemente de ser um valor ‘simbólico’, é para nós muito importante”.
Além do cinema, abrirá, no primeiro andar do edifício, um novo espaço, com um restaurante e uma livraria, esta com grande ‘oferta’ de DVDs. Da Midas e de muitas outras produtoras ligadas ao cinema independente, nomeadamente a Alambique.
Também aqui terão lugar debates, apresentações de filmes, e outras iniciativas que “estimulem o encontro e o convívio” entre espectadores, realizadores, produtores e todos aqueles que trabalham em cinema em Portugal, afirma Pedro Borges: “Isto pode não ser decisivo para a criação cinematográfica nacional, mas é um contributo”.