A edição nacional dos primeiros volumes de um magnificamente restaurado Príncipe Valente de Hal Foster a preto e branco foi um sucesso assinalável. O que foi ótimo. E péssimo. Ótimo porque a banda desenhada precisa de momentos assim (independentemente dos motivos), e este serviu como pretexto para uma justíssima divulgação do notável restaurador/editor Manuel Caldas. Péssimo por causa dos problemas que o sucesso, inevitavelmente, engendra. Desde logo ditou o fim da parceria editorial, e resultou em Caldas ser afastado do seu próprio projeto; não sei porquê, mas duvido que tal acontecesse com vendas mais modestas. Teve ainda o condão de sugerir que existiria um mercado nacional pujante (por explorar) para um tipo de BD muito específico: “antigo”, “clássico” ou “nostálgico”, chamem-lhe o que quiserem. Era uma extrapolação lógica mas, infelizmente, não totalmente correta. O impacto do “ressuscitado” Príncipe Valente representava mais o rasto notável e duradouro que a obra de Foster tinha deixado em leitores há muito afastados do formato, do que uma apetência genuína por outros títulos que foram entretanto oferecidos em diversos momentos (Tarzan, Hagar, Ferd’nand Rip Kirby, Krazy Kat, Lance). Esta constatação não deixou de surpreender (e preocupar) todos os envolvidos, tanto mais que teve lugar ainda numa época PC (Pré-Crise).
Após o projeto (interrompido) do “seu” Príncipe Valente Manuel Caldas (www.manuelcaldas.com) tem teimado (parece-me que será a expressão correta) com várias outras propostas. Não se limitou a soluções previsíveis que apelariam aos amantes de Príncipe Valente (Lance); tentou tiras humorísticas (Hagar, Ferd’nand) e livros ilustrados (O corvo de Edgar Allan Poe, com gravuras de Gustave Doré, ou O livro do buraco de Peter Newell). Fez edições bilingues e trilingues. Abordou seriamente o mercado espanhol (e desiludiu-se um pouco, também aí), aborda agora o anglófono, com justificadas expectativas. Entretanto anunciou o fim provável da sua atividade em Portugal, com a publicação do quarto e último volume de Lance, de Warren Tufts. A ser verdade é, simultaneamente, uma pena e compreensível.
Seja como for, o último volume de Lance (pranchas de 1958-60) é mais uma delícia gráfica, e um prodígio de restauro que só pode ser devidamente apreciado (qual anúncio de produtos de limpeza) mediante exemplos de “antes” e “depois”. É também uma prova adicional da teimosia de Manuel Caldas, que fez questão em não deixar a série incompleta. Claramente inspirado por Hal Foster, Warren Tufts procurou com Lance criar um “western” épico e humanista, utilizando de forma notável a cor enquanto pontuação (ora onírica, ora ameaçadora) para os grandes (e pequenos) espaços em que decorre a narrativa. Só por isso esta série merece toda a atenção. Mas, como já se tinha referido a propósito do volume anterior, literária e narrativamente Lance deixa algo a desejar. Considerando os quatro volumes em conjunto Tufts nunca pareceu ter, desse ponto de vista, uma visão sólida para a série, ou não teria mudado tantas vezes o tom do registo. O último volume é particularmente revelador, com histórias graficamente deslumbrantes que não coalescem, oscilando entre o didatismo histórico-pedagógico (neste caso a guerra entre os EUA e o México que resultou na anexação da California pelos primeiros), o sobrenatural, a fábula moralista, e o melodrama. A sugestão repete-se: “leiam-se” as espantosas imagens a cores de Lance imaginando outras palavras, ou esquecendo (por um momento) que a BD não é só desenho. Este é um dos casos em que vale a pena.