“A atração pelo abismo existe, porque somos seres curiosos. A imensidão, o que é maior que nós é atraente, porque é mais poderoso, enquanto corpo, e nós partículas”, diz Sara Bichão ao JL. “Senti essa vertigem de ir até ao fundo, de me deixar ir debaixo de água. Queremos sempre saber mais, sabendo que é um abismo, porque não podemos saber tudo, porque ultrapassa a nossa condição tanto física como emocional”. A artista sentiu-o, quando, no verão do ano passado, atravessava a nado um lago vulcânico, em Auvergne, França. Uma vivência marcante, que a fez refletir sobre si e sobre o todo, e em que radica a sua exposição Encontra-me, Mato-te, que se inaugura a 16, no Espaço Projeto do Museu Gulbenkian, Coleção Moderna.
“Era um sítio que não conhecia e nunca tinha experimentado nadar em diâmetro aquela distância, em águas paradas”, recorda. “Achei que o conseguia fazer. E não sei se por questões magnéticas, se por, de repente, estar no centro da cratera, com uma profundidade que desconhecia, senti uma situação de pânico, que nunca tinha tido antes”. Da experiência, ficou uma certa “poesia” e uma “maturação do conhecimento”: “Quando passamos por este tipo de situações, geramos conhecimento acerca da vida, do corpo, de nós próprios e da nossa relevância”.
Quando recebeu o convite para fazer a sua primeira exposição individual na Gulbenkian, achou que era o “sítio certo” para desenvolver uma obra alicerçada nessa história. “Um trabalho não meramente expositivo, mas cenográfico”, como salienta, que de alguma maneira transcende o que tem feito no seu percurso.
A dimensão “cenográfica” prende-se com o facto de os “objetos estarem cuidadosamente expostos e iluminados”. “O espaço da exposição é quase um mapa geométrico, e os objetos não podiam ser nem mais, nem menos, são os necessários”, faz notar a artista. E acrescenta: “Não estou a representar, nem a documentar o que se passou, mas a fazer um monólogo sobre a verdade e a fantasia sobre o que podia ter acontecido. E é uma narrativa sobre a obsessão com as emoções que decorreram da experiência, porque quando estamos sozinhos e pensamos que podemos perder a consciência, a vida, há uma série de coisas que vêm ao cimo e se tornam muito claras”.
Encontra-me, Mato-te é uma “fetichização dessas emoções”, sublinha ainda Sara Bichão. O próprio nome da exposição remete para esse plano emocional, traduzindo os sentimentos contraditórios que teve no meio do lago e que aborda de uma forma necessariamente “fantasiosa” na sua instalação, em que apresenta um conjunto de esculturas que “desenham o espaço”, em “material cru”, com apenas duas cores “sinaléticas”, “pouco comum” no seu trabalho, como reconhece. “Muita escultura orgânica e muito desenho. São obras obcecadas pela ideia de gravidade, do centro, do que é pesado e leve e como isso determina uma posição identitária no mundo”, adianta. “Alguns objetos, em algodão, são muito leves e iluminados, quase fantasmas, outros pesados e orgânicos, que se colocam em relação ao meu corpo”.
As emoções são, aliás, parte integrante do trabalho de Sara Bichão. “Normalmente são fetiches, paixões que tenho por determinados objetos ou cores, de um foro quase infantil”,explica. “Agarro-me a determinados ambientes, atmosferas, formas ou formatos e começo a trabalhar sobre eles, a desenvolver sentidos. É inata essa relação e nem sei por que começo um trabalho. Esta exposição, pela primeira vez foi espoletada por um acontecimento consciente”.
Nascida em 1986, Sara Bichão licenciou-se em Artes Visuais e fez um mestrado em Pintura, na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Começou a expor individualmente em 2009 e tem apresentado o seu trabalho em vários países. A par de Encontra-me, Mato-te, com curadoria de Leonor Nazaré, que poderá ser vista até 4 de junho, atualmente mostra ainda os seus trabalhos na exposição Chama, em diálogo com obras de Júlio Pomar e Rita Ferreira, comissariada por Sara Antónia Matos, até 29 de abril, no Atelier-Museu Júlio Pomar, em Lisboa. “Há muitas pontes e relações entre as duas exposições, que fiz no último ano. Em ambas estou a desenhar o espaço”, salienta. “E em Chama já se revela uma outra consciência sobre a cor, que começa a fazer parte da minha plasticidade e uma tendência cada vez mais escultórica e com uma relação mais performativa com o meu corpo. A consciência do corpo tem sido crescente, no meu percurso, ainda mais depois desta aventura”.
Sara Bichão: Vertigem do abismo
FOTOGALERIA Uma exposição de escultura e desenho, sobretudo do espaço, que radica nas “emoções” de uma experiência de “pânico “e de “atração pelo abismo”, quando atravessava a nado um lago vulcânico, em França. Encontra-me, Mato-te, de Sara Bichão, inaugura-se a 16, no Espaço Projeto do Museu Gulbenkian, Coleção Moderna, em Lisboa. Conversa com a artista e fotogaleria
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