1 – ARTISTA PLURAL
Maria Keil, artista plural,nasceu em Silves, no Algarve, em 1914. Tinha dedos cheios de magia e a vontade de criar imagens. Apesar da época, frequentou a Escola de Belas Artes de Lisboa e foi aluna de Veloso Salgado. Como muitos outros naquele tempo de transições, não foi profícuo o seu trabalho no velho Convento de S. Francisco. O vento agitava dedos delicados e fortes, e o seu sentimento levou-a, em 1933, a casar com o arquiteto Francisco Keil do Amaral. Três anos depois, Maria Keil iniciou a sua colaboração no Instituto de Publicidade, fundado por José Rocha e onde trabalhavam também, entre vários outros, Carlos Botelho e Fred Kradolfer.
Primeira exposição em Lisboa, 1939, galeria Larbom; e, em 1941, ganha o prémio de revelação Souza Cardoso. Ganhou com o seu próprio rosto, um autorretrato de grande claridade expressiva. A sua vida artística, e em tão boas companhias, alargou-se através de diversas participações, nomeadamente na Sociedade Nacional de Belas Artes, tendo iniciado nos anos 50 importantes estudos e obras no domínio do azulejo: é ampla a sua criação modular, em inusitados padrões abstratos. Exemplar a sua obra pública nesse meio para o metropolitano de Lisboa. A notoriedade pública desse trabalho acentua-se a partir daí: e destaca-se na ilustração, no design gráfico, manuais escolares, além de outros planos bem cultivados: desenho, desenho pra selos, mobiliário e decoração, figurinos e cenografia, fotografia, calçada, tapeçaria.
2 – ARTE PARIETAL, AZULEJO
O azulejo é um dos meios mais explorados em Portugal e só se lamenta que os artistas de elite e formadores do espaço o tenham exilado da arquitetura e do espaço urbano em geral, sem investigação similar à que realizou Maria Keil. Pelo azulejo moderno, Maria Keil é uma presença viva em muitos lugares, nomeadamente Lisboa. Importante este reconhecimento nas décadas de 50 e 60. Maria Keil antecipou a modulação de repetição, alternada, aberta e abstrata. Procura surpreendente quanto a resultados, e já escassamente presente nesta exposição antológica da artista, no belo espaço da Igreja da Misericórdia, em Silves. Com as suas descobertas no domínio do abstracionismo, Maria Keil confere à geometria um valor invulgar, unindo memórias clássicas ao minimalismo moderno. Não há frieza nisso, a forma é despojada mas não morta, floral sem lírica de ornamento. Não se trata de um jogo cerebral, nem de matemática no seu sentido elementar, é sobretudo linguagem plástica e sensibilidade de raiz humana.
3 – DESENHO E PINTURA
No âmbito da desenho e da pintura, a obra de Maria Keil viajou pelos retratos, sobretudo a grafite e óleo, pelas peças de arte pública, expande-se, a par de outros trabalhos, por várias décadas. Não é fácil fazer o gráfico de uma cronologia, ou até da genealogia quanto a escolas ou influências, mesmo tendo em conta que a pintora foi próxima, no início, dos neorrealistas. Depressa se envolveu com as formas de contexto, figuração estilizada entre planos meio arquitetónicos. Daí resultou uma obra parietal de grandes dimensões, duas faces dos prumos laterais do palco do monumental e que a voracidade da desculturação nacional implicou um destino ruinoso. Ainda bem que Dourdil vai sobreviver, no Império, com o restauro do seu mural. No Monumental, Maria Keil foi inventiva, laborou contra o vazio envolvente e soube ser alegórica sem qualquer tom ilustrativo menor.
A sua pintura trata tanto a paisagem como a figuração de quase parábola. Muitos aspetos dessa obra plural, sensível, característica na cor e na estrutura gráfica, aparecem em vários exemplos de escala pequena ou média, por vezes excecionais quanto à forma perante o binómio tema/assunto.
4 – CENOGRAFIA E FIGURINOS
Durante a conhecida atuação de António Ferro, anos 40, foi formado o Grupo de Bailado Verde Gaio. A versatilidade técnica de Maria Keil (com sentido profissional) deu-lhe também aqui, no bailado A Lenda da Amendoeiras, uma excelente (e reconhecida) oportunidade de desenvolver as técnicas cenográficas e, nomeadamente, a coleção de figurinos. Esta produção valeu-lhe mais um tipo de reconhecimento
5 – DESIGN GRÁFICO e PUBLICIDADE
Como se depreende desta breve abordagem, a capacidade de Maria Keil era plurifacetada, o que aconteceu também, ao longo da vida, no design gráfico, quer em capas para livros, ilustrações, obra pedagógica. Aqui, mais uma vez, rejeitou soluções passadistas, cruzando linguagens, equilibrando a medida do modo e a natureza dos conteúdos. Alargou as técnicas, justapondo-as ou sobrepondo-as, numa disciplinada de fresca poligrafia. O seu experimentalismo neste domínio era, como noutros planos, pensado e disciplinado. E assim, por seu turno, se consolidou o seu belo encontro com a azulejaria, diversos níveis de aplicação.
6 – ILUSTRAÇÃO
Como já ficou assinalado, tanto no plano gráfico como nos desenhos e capas de livros, Maria Keil foi uma excelente ilustradora: qualidade do desenho, valores de composição, conotação entre as partes, delicadeza pedagógica das cenas, lugares, cromografia, contexto e conteúdos.
7 – MOBILIÁRIO E DECORAÇÃO
Entre os anos 40 e os aos 50, Maria Keil sentiu grande apelo pela renovação dos termos estruturais e formais do mobiliário para interiores. Parecia estar estar sempre a descobrir áreas onde a atualização estética e funcional precisavam de intervenção. E de bom gosto. A sua intervenção estendeu-se à restauração e à hotelaria. Nos interiores domésticos apurou, com grande sensibilidade, desenhos de decisiva modernidade. As raízes não desapareciam, antes se misturavam à sobriedade geral, estilização do regionalismo e do próprio folclore. A revista Panorama abordou os projetos de Maria Keil, sendo assinaláveis os trabalhos feitos para o Restaurante Tito (com Keil do Amaral) e sobretudo Pousada de S. Lourenço, na Serra da Estrela, desenhada por Rogério de Azevedo.
Estas notas, enfim, são muito breves para uma obra tão vasta e sobretudo tão polifacetada. Ela não retirou grande proveito das Belas Artes e a sua intranquilidade do tempo orientava no espaço criador diferentes modos de formas, como já vimos. A reforma da Escola superior de Belas Artes deu-lhe, em grande medida, razão; porque ali se enfrentaram as tecnologias, as técnicas, projeto artístico, as ciências das artes, a própria arquitetura. Defendia-se, como em parte Maria Keil, a ideia de que o artista plástico é um operador de cultura, seguindo de perto as artes e podendo ou devendo trabalhar em equipa com outros produtores de imagens e objetos amigos entre si.
Nave da Misericórdia de Silves, Algarve.
Horário: todos os dias das 10h às 19h. Termina no dia 31 de Outubro14