Uma “personalidade maior da cultura portuguesa contemporânea”, com um percurso “notável” e uma ação “modelar” na direção do Espaço Llansol, segundo o júri, João Barrento, ensaísta, cronista, tradutor e professor universitário, foi distinguido com o Prémio Vida Literária Vítor Aguiar e Silva. É a 1ª edição do prémio, correspondente ao biénio 2020-2022, no valor de 20 mil euros, atribuído pela Associação Portuguesa de Escritores (APE) e pela Câmara Municipal de Braga. Mais um reconhecimento de um “caminho certo”, um trabalho feito sobretudo com “prazer”, consagrado às letras e ao pensamento, como afirma ao JL o ensaísta, que tem prontos para sair em breve vários livros: o 8º volume das Obras de Walter Benjamin (Os Diários de Viagem); uma seleção de 50 poemas de Robert Walser; e uma “sátira ao atual estado do mundo”, que intitulou A Nave dos Loucos. E, para um futuro próximo, uma antologia pessoal de Mil Anos de Poesia Alemã.
Jornal de Letras: Que significado tem para si este prémio?
João Barrento: Na minha segunda língua, o alemão, ‘prémio’ diz-se numa palavra (Preis) que significa também ‘preço’. De facto, todo o prémio tem um preço, o de um trabalho que ele, em princípio, reconhece e recompensa. Mas, olhando agora para toda uma vida ligada às ‘Letras’ e ao pensamento (um caminho escolhido, sem grandes dúvidas, aos 16 anos), constato que o meu trabalho no campo literário foi quase sempre mais prazer do que esforço, mais escolha própria do que imposição externa. Os prémios que tenho recebido – e foram muitos, no domínio do ensaio, da crónica, da tradução, da intervenção cultural em geral – são, por isso, como que uma voz que me vem dizer, depois de concluído mais um ato de prazer: «Parece que escolheste o caminho certo! Continua enquanto puderes!» É o que tenho feito, consciente de que são a insatisfação e a imperfeição que nos abrem sempre novos caminhos a percorrer…
Este é um prémio especial também por se chamar Vítor Aguiar e Silva?
Esse é um nome desde há muito incontornável quando se trata de compreender e pensar o fenómeno literário entre nós. Com ele aprendi desde os primeiros anos de docência e discência, não apenas no que à teoria diz respeito, mas também no que se refere a uma prática mais livre do ensaísmo. Do ensaísmo que, com poucas exceções, é neste momento uma quase ausência na nossa cena literária, num tempo em que o pensamento livre e criativo deu lugar à mera opinião, ao minimalismo factual de uma cultura mediática e política que ignora ou desconhece o pensamento aberto e produtivo.
Qual o lugar do ensaio no seu percurso?
Decisivo, porque foi daí que tudo foi nascendo, desde os primeiros artigos para o antigo Jornal de Letras e Artes, nos anos 60, até à prática regular desse “género intranquilo e sem género”, como já lhe chamei. O ensaio foi-se também tornando um prolongamento do pensar-em-aula, mas libertando-se cada vez mais dos moldes académicos.
E a tradução?
Tomei consciência de que podia ir por aí através do apelo que um dia – estávamos no início dos anos setenta – me foi feito por um grande tradutor de literatura portuguesa, Curt Meyer-Clason (na altura diretor do Instituto Alemão), que me incentivou a traduzir os poetas expressionistas alemães. Depois percebi que essa prática é uma das mais eficazes e gratificantes formas de mediação entre culturas – e nunca mais a abandonei… J MLN