Ai Lianor, Lianor… Se os tempos fossem outros, o poeta enviar-te-ia duas ou três mensagens de texto em linguagem cifrada e tu, farta de mirones e tarados, provavelmente bloquearias o chico-esperto logo à segunda abordagem, antes que aparecessem os nudes. Formosa, apesar de não segura, já estarias farta de homens obtusos que, por terem o dom da palavra, querem-se fazer donos das mulheres bonitas que avistam ao longe. “Vai chamar musa a outra, que é sou uma simples mulher do campo!”
Se o poeta fosse esperto, e não tivesse aquele impulso lírico, guardaria as palavras na gaveta, ou publicaria num post, sem muitos pormenores, na esperança que pudesses apenas desconfiar que o poema era para ti — já teria partilhado antes o “Eleanor Rugby” e uma outra de um músico brasileiro. Mas às vezes a vida é como estar à espera de uma mensagem do facebook no instagram.
Ou então, tivesses tu uma sensibilidade apurada, talvez te deixasses encantar por charme literário tão raro — afinal de contas não é todos os dias que se conhece um mago que através de palavras leva lianores aos céus. E então seriam felizes para sempre. Morria o poeta e vivia o homem. Porque os verdadeiros poetas, já se sabe, precisam para sobreviver, como pão para a boca, de um certo grau de sofrimento e de incorrespondência para apimentar a poesia. Os poemas sobre a felicidade são geralmente muito aborrecidos.
Ai Lianor, Lianor, penso agora, de que servia ao poeta, o antigo, elogiar a tua formosura, a caminho da fonte, com palavras que só os poetas compreendem se tu, certamente, não sabias ler nem escrever? Teria o poeta a ousadia de te segredar alguma daquelas palavras ao ouvido? E tu sucumbirias à afronta? Ou chamarias pai e irmãos para enxotar aquele descarado que te queria desgraçar?
Ai Lianor, se ao menos compreendesses as palavras do poeta saberias que elas sem mais nada são logo uma conquista e imortalizaram-te para sempre no mundo. Se soubesses, acredito, cederias, porque não há como resistir ao estado transcendência da arte, que ainda hoje te mantêm viva.
Só que o poeta… o poeta era tímido. Ou então sabia que a musa se desfazeria ao primeiro toque, teria de ser inalcançável para subsistir. Por isso nunca confessou que, por trás de todas as sugestões líricas estava também o vulgar desejo carnal de retirar-te do Olimpo para te aconchegar no leito. Escolheu o poeta, em nome da arte, abdicar de saber a tua resposta a propostas indecentes e ficar assim com mais sonetos para escrever. Para consolar o ego, imaginou, num outro poema, ao estilo das cantigas de amigo, que por ele choravas na sua ausência.
Ou talvez não. Talvez o poeta tenha provado da inocência do teu corpo. E, não suportando tamanha fraqueza e felicidade, tenha depois partido, em busca de outras musas, deixando-te incrédula, perguntando a quem passava pela fonte: “Vistes lá o meu amor?”