O coelhinho
Há escândalos curtos que rapidamente se dissolvem como fumo no ar, disse o coelhinho, que agora ensina ciências políticas.
Há escândalos lentos que com o tempo acabam por fazer baixar a tiragem dos jornais.
Por fim, e é o terceiro caso: já não há escândalos e, desta forma se perde o encanto da política portuguesa.
Assim ouviram a matéria, os alunos da primeira lição do coelhinho.
1003
Pergunto ao bichinho o que me vai ditar hoje. O coelhinho saltita e sussurra-me à orelha esquerda. Depois faz menção de ir-se embora. Pergunto outra vez:
-Diz-me então sobre o que não devo escrever.
Desta vez, segreda-me à orelha direita.
-Bom, assim não vou longe, digo-lhe eu.
Então, vitorioso, o coelhinho exclama:
-É isso mesmo! Aliás, como toda a gente!
Em resumo, digo eu, é melhor comprar iogurte.
1004
– Há muitas coisas feias no mundo, disse o coelhinho a ninguém e a toda a gente. – Mas enquanto o meu patrão não se esquecer de regar as flores que sofrem, a humanidade ainda não está perdida.
1017
O coelhinho, naturalmente sem a minha autorização, propôs à TVI organizar um debate pré-eleitoral entre nós dois. No e-mail da proposta, considerou que o melhor dia seria a sexta-feira anterior ao acto eleitoral, 23 de Setembro, à hora habitual, eventualmente com Manuela Moura Guedes como moderador. Discutir-se-ia, entre outros, se a Espanha deveria ou não tornar-se numa província de Portugal.
Eu já tenho opinião
1018
Foi a vez do coelhinho escrever sem a minha ajuda. Prometeu ser curto e objectivo.
Transcrevo o que me enviou: «Chegou o Outono.
Mesmo solarengo, caem as folhas da minha única árvore no mini-jardim. Também nas urnas caem em permanência os boletins de voto. Caem igualmente algumas figuras políticas. Chegou o Outono».
Escrito isto, o coelhinho foi comprar vacinas contra a gripe, das antigas.
1020
Não sei se devo comprar Saramago ou Lobo Antunes, confessa-me o coelhinho.
Que achas?
Isso é muito delicado! Porque não compras os dois?
Isso é que não! Queres que ambos se zanguem comigo?
1025
O coelhinho é assim: um ser hesitante.
Entre o sim e o não, prefere o talvez. Agora anda com o Acordo Ortográfico às costas.
Impaciente, bate com a cabeça na parede, simbolicamente falando. Sim ou não? Não ou sim? Nunca o vi assim. Até se esqueceu que é iletrado.
1026
Estou a ponderar se não estará na hora de privatizar o coelhinho; custa-me muito: alimentos, vestimentas, sendo especialista em perder as luvas e a sua boina basca. Causador permanente de estragos em casa: queima o soalho, deixa a luz ligada na sua toca enquanto vai ao cinema ou toma um copo, deus sabe com quem, enfim. Mas antes dessa complicada e estratégica operação financeira gostava de ouvir as opiniões do actual PR e do futuro.
1059
Falam muito! disse o coelhinho Quem? -perguntei.
Todos! respondeu o coelhinho Não esqueça, como dizia Churchil, que as palavras podem afogar os navios.
Que belos tempos! disse o coelhinho e continuou Hoje, todos os discursos juntos não afogariam um barco, nem uma canoa. Muito falam!
1062
-Foi um risco inútil, disse o coelhinho, esse anti-capitalista romântico.
E repetiu: -Foi um risco inútil instaurar um dia de reflexão antes das eleições. Como se sabe, só depois se reflete a sério. É a sabedoria das nações.
1091
-Acredito piamente em todas as licenciaturas, disse o coelhinho. O problema é outro: se os novos doutores acabaram bem o quarto ano da primária.
1147
-Sabes -pergunto ao coelhinho – que os turistas vão pagar uma taxa de 1€ por dormida em Lisboa? O coelhinho reflete e diz: – Bom, se for com pequenoalmoço buffet, até acho razoável!
Jorge Listopad