Sobre a questão da propaganda, que muitas vezes cremos ser, juntamente com a ideologia, essencial para a estratégia de guerra (e política), no livro Humanidade: uma história de esperança (2021), Rutger Bregman defende que o elemento principal é a cooperação, colocando a amizade como fator fundamental: “Quando os investigadores da Divisão de Guerra Psicológica somaram dois mais dois, compreenderam de súbito porque a sua campanha de propaganda não tivera quase impacto nenhum. Ao escreverem sobre o efeito de milhões de panfletos largados atrás das linhas inimigas, Janowitz e Shils observaram que ‘se dedicou muito esforço a atacar ideologicamente os dirigentes alemães, mas só cerca de 5% dos prisioneiros mencionaram esse tema quando questionados’”.
De facto a maioria dos alemães nem sequer se lembrava do que os panfletos criticavam o nacional-socialismo. Quando os investigadores inquiriram um sargento alemão sobre os seus pontos de vista políticos, o homem desatou a rir: “Quando fazem uma pergunta dessas, dá para ver perfeitamente que não têm ideia do que leva um soldado a combater.”
Tática, treino ideologia… são todos cruciais para um exército, confirmaram Morris e os seus colegas. Mas, em última análise, a força de um exército corresponde aos laços de amizade entre os seus soldados. A camaradagem é a arma que vence guerras (p. 237).
E ainda: “Este é também o motivo pelo qual muitos terroristas matam e se matam: fazem-no uns pelos outros. A ideologia é importante, mas é a relação entre eles que de facto os leva a agir de forma brutalmente violenta” (p. 240).
Nesta era de desinformação, estes dados são fundamentais, uma vez que a luta contra as notícias falsas, desmontando-se de várias formas, só podem mitigar os sintomas, mas não tratar a causa: as pessoas assumem que determinada informação é verdadeira ou falsa, não pela solidez dos factos, das premissas ou dos argumentos, mas porque têm certezas (que muitas vezes se apoiam em mecanismos complexos, gregários, em que a amizade, o companheirismo e a lealdade são determinantes). Resumindo: não tem que ver com a verdade. Ou somente com a verdade.
Não é necessariamente por se acreditar em determinada ideologia que se cometem atos de violência inusitada (ou de extrema generosidade e sacrifício, como morrer por alguém), mas sim porque a pertença a um grupo nos faz agir em defesa desse mesmo grupo e dos seus indivíduos, seja fisicamente, intelectualmente, politicamente ou socialmente. Se atos tão cruéis – como atentados terroristas – são perpetrados graças aos laços de camaradagem (algo inerentemente bom que pode resultar em algo tenebroso), é ainda mais assustador sabermos que esses laços podem acontecer e manter-se através de algo tão volúvel, frágil e irrelevante como a cor de uma camisola (como aliás se verifica com adeptos desportivos, em que a violência pode surgir sem qualquer tipo de ideologia associada).
Se, num grupo de pessoas que não se conhecem, vestirmos metade delas com uma cor e a segunda metade com outra, imediatamente teremos um fator de identidade e um laço entre eles, que se sobreporá à evidência, ao facto e à verdade. Citando um artigo de Paul Bloom (The Atlantic):
“Como a maioria dos cidadãos não sabe nada sobre direito constitucional, não é de surpreender que tome partido no debate Obamacare da mesma forma que torce pelos Red Sox ou pelos Yankees. A lealdade à equipa é o que importa. Um conjunto de experiências conduzidas pelo psicólogo de Stanford Geoffrey Cohen ilustra perfeitamente esse princípio. Os participantes foram informados sobre um programa de assistência social, endossado por republicanos ou por democratas, perguntando se o aprovavam. Uns tiveram acesso a um conteúdo programático extremamente generoso, outros a um programa extremamente mesquinho, mas isso fez pouca diferença. O que importava era o partido: os democratas aprovaram o programa democrata, e os republicanos o programa republicano.
“No entanto, quando solicitados a justificar sua decisão, os participantes insistiram que as considerações partidárias eram irrelevantes; sentiram que haviam respondido segundo os méritos objetivos do programa. Esta parece ser a norma. O psicólogo Steven Sloman e seus colegas de Brown descobriram que, quando as pessoas são chamadas a justificar suas posições políticas, mesmo aquelas sobre as quais têm uma forte convicção, muitas são incapazes de apontar os detalhes. Por exemplo, muitas pessoas que afirmam acreditar profundamente no cap and trade ou num imposto de taxa fixa têm pouca noção do que estas políticas realmente significam.”
As pessoas não procuram a verdade, procuram a certeza. E é um problema quando a encontram. Depois, a lealdade, a amizade, a cooperação – ironicamente, algumas das mais nobres virtudes humanas – criarão a coesão necessária para impedir que a verdade se intrometa e esboroe as suas certezas.