A Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, tem fortes razões para celebrar. Este ano tem o seu nome associado a quatro prémios Nobel: na Física, um dos premiados foi o americano de origem nipónica Supuro Manabe (90 anos), meteorologista sénior ainda ativo em Princeton, que na década de 60 foi pioneiro na modelação física do clima, ao conseguir relacionar quantitativamente de modo fiável o excesso de dióxido de carbono com o aumento da temperatura do planeta; na Química, metade do Nobel foi para o professor de Química David MacMillan (53 anos), nascido na Escócia, que criou um novo tipo de catálise, a organocatálise, prática e ecológica; na Paz, metade do Nobel foi para a jornalista filipina Maria Ressa (58 anos), que se licenciou em Inglês em Princeton, pelos seus esforços em defesa da liberdade de expressão (é o primeiro Nobel filipino!); e, por último, na Economia, uma parte do prémio foi para o economista americano de origem israelita Joshua Angrist (61 anos), que se doutorou em Princeton e hoje é professor no MIT, pelo seu desenho de experiências naturais para descobrir relações de causa-efeito, por exemplo a relação entre os anos de escolaridade e o rendimento de trabalho. Nenhum deles nasceu nos Estados Unidos. A Universidade de Princeton, que aparece no filme Uma Mente Brilhante, tem sido um polo de atração global de mentes brilhantes.
Muito haveria a dizer sobre os merecimentos de todos esses laureados, mas escolho, por razões de proximidade profissional, dizer mais sobre o Nobel da Física. A Academia de Ciências de Estocolmo decidiu premiar com metade do prémio de 2021 dois dos principais autores da nossa atual compreensão das mudanças climáticas globais. A par de Manabe, que, antes de se fixar nos Estados Unidos, estudou no Japão, tendo-se doutorado na Universidade de Tóquio, outro climatologista premiado foi o alemão Klaus Hasselmann (90 anos, tal como Manabe), professor emérito da Universidade de Hamburgo, fundador e ex-diretor do Instituto Max Planck para Meteorologia, também em Hamburgo.
Aos dois anos, Hasselmann, teve de emigrar para o Reino Unido, acompanhando a sua família na fuga aos nazis, só voltando aos 18 anos, para se doutorar na Universidade de Göttingen. Nos anos 70 desenvolveu modelos que permitiram relacionar o clima com a meteorologia assim como métodos para distinguir marcas naturais e artificiais no clima. Não foi nada fácil dada o carácter caótico do clima: o abanar das asas de uma borboleta no Brasil pode originar um furacão no Texas. E, no entanto, é possível descortinar alguma ordem dentro da desordem, avançando previsões. Os seus trabalhos estão na base do atual reconhecimento do facto de que as alterações climáticas globais, traduzidas no aquecimento da temperatura média do planeta, têm origem humana.
Tais alterações são hoje o maior desafio da Humanidade: a temperatura média do planeta subiu 1 ºC desde os níveis pré-industriais e, conforme consta no relatório divulgado em agosto passado do grupo de Ciências Físicas do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas das Nações Unidas, nos próximas décadas, faça-se o que se fizer, vai subir para mais de 1,5 ºC. O passado mês de setembro foi o segundo mais quente de sempre no mundo e o mais quente ocorreu no ano anterior.
Algumas catástrofes em Portugal estão relacionados com o aquecimento global. A 15 de outubro de 2017, quando regressava de carro de Lagos para Coimbra, fui obrigado, chegado à Serra de Aire, a sair da autoestrada: o caminho até Coimbra, via Torres Novas e Tomar, foi uma travessia do inferno, avistando amiúde fogos de um lado e de outro da estrada. A origem desses fogos, que causaram 50 vítimas mortais, foi a chegada à Europa do furacão Ophelia, mas o terreno estava propício pois existia uma seca severa.
No ano seguinte, a 13 de outubro de 2018, estava num casamento perto da costa da Figueira da Foz e, vendo o agravamento do tempo, voltei para casa a meio da festa. Se tivesse ficado poderia ter visto o meu carro ser esmagado pela queda de uma árvore, como aconteceu a outros convidados. Tinha chegado ao centro do país, vindo do Atlântico, o furacão tropical Leslie, causando prejuízos de mais de 120 milhões de euros,
Em 2015, 196 países assinaram o Acordo de Paris sobre alterações climáticas, mas hoje esse acordo parece insuficiente. Em novembro próximo vai ter lugar em Glasgow a 26.ª Conferência sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (COP-26), um evento que foi adiado de um ano devido à pandemia. Vamos a ver não só o que lá se discute, mas principalmente o que lá se conclui.
Falta falar da outra metade do Nobel da Física. Incidiu sobre um tema geral no qual as alterações climáticas se integram: os sistemas complexos. A distinção foi dada ao físico italiano Giorgio Parisi (73 anos) pela sua descoberta das “interações entre desordem e flutuações em sistemas físicos que vão das escalas atómicas às planetárias”.
Parisi, natural de Roma, é prof. da Universidade La Sapienza em Roma, que remonta a 1303. Estudou o confinamento dos quarks nos protões e neutrões; fenómenos de turbulência em fluidos; a evolução de superfícies de contacto entre fluidos; e vidros de spin, que são sistemas de pequenos magnetes em sítios desordenados. Diz ele que estudar um vidro de spin é como assistir a uma tragédia de Shakespeare: não se pode ser ao mesmo tempo amigo de pessoas que se odeiam. Parisi achou métodos para encontrar a situação mais favorável.
O físico italiano tem também artigos sobre alterações climáticas, como as idades do gelo no passado. Porém, um dos seus trabalhos mais espetaculares foi a modelação de bandos de estorninhos, que formam grandes nuvens de aspeto ameaçador. Parisi serviu-se de centenas de milhares de fotografias para tentar modelar no computador – o instrumento de eleição para estudar sistemas complexos, sejam estes a atmosfera, os oceanos ou um bando de aves – a dinâmica entre ordem e desordem no voo de aves. Quem diria que a Física viria a ter esta aplicação na ornitologia?