Era tão perfeito que às vezes quase se tornava irritante. Mas nunca era verdadeiramente irritante, pois se assim fosse não seria perfeito. Quando Eliane o foi buscar ao laboratório logo lhe avisaram que era uma experiência que a iria marcar para o resto da vida. Medusa, a cientista responsável, entre cupido e Dr. Frankenstein de ocasião, avançou com as principais recomendações sem esconder o entusiasmo. Eliane, apesar da garantia das normas de segurança, prometera-se a si própria que nunca haveria de se envolver emocionalmente com uma máquina, por mais aperfeiçoada que fosse. Enfim, tal como não se conseguia apaixonar pela torradeira ou pela máquina da louça, não se deixaria levar por aquele magnífico e bem parecido robot de olhos azuis e charme clássico de nome Tobias.
Participava no estudo por amor à Ciência. Mas sentia-se assustada. Receava até pela sua integridade física. Aquela máquina não era propriamente como o último modelo do aspirador que simplesmente se podia desligar na ficha. Era uma máquina com vontade própria. Temia que alguma desregulação, um bug no sistema, lhe pudesse vir a provocar maior dano. A cientista, no tutorial, explicava que nada havia a temer. E mostrava-lhe o orifício para desligar Tobias em caso de emergência – uma ranhura côncava no topo da perna esquerda, que passava por sinal de nascença.
Nada disso seria necessário. Tobias era perfeito. Tinha uma inteligência emocional trabalhada ao pormenor. Fazia tudo bem. Mas também sabia que às vezes era preciso fazer as coisas mal, porque todas as relações são feitas de avanços de recuos, de declarações de amor e pedidos de desculpa.
Demorou tempo até que Eliane se libertasse do estigma, e se rendesse À sua natureza ultra-humana de robot-homem. Tudo nele se tornava apetecível, até a sua pele, porosa e orgânica, nada tinha a ver com a artificialidade do plástico ou do metal. Tobias era perfeito e dizia sempre as palavras certas. Dominava bem as técnicas de sedução, nas formas mais subtis, conhecia bem o respeito pelo outro. Eliane cedeu. Não em nome da ciência. Mas convencida irracionalmente, perante os abundantes sinais de agrado, de que aquela máquina, tal Pinóquio, se havia transformado em homem de verdade. Fizeram amor prolongadamente, com o algoritmo temporizado para o um clímax perfeito. Depois adormeceram lado a lado, abraçando-se, na medida certa para que tal não se tonasse desconfortável ao sono.
Já de manhã, Eliane levantou-se sorrateiramente, com a ilusão de que seria possível ludibriar uma máquina. Na mesa da sala encontrou o telemóvel de Tobias. Quis saber mais sobre ele, de que falaria um robot no chat. Passou o dedo pelo sensor e descobriu que ele andava trocar mensagens com outra mulher. Era Medusa, a cientista, falavam do balanço da experiência e tratavam-se com afeto. Sentiu ciúmes, mas depois leu melhor, a rematar a conversa Tobias dizia-lhe: “Valeu a pena o esforço, querida, encontraste a mulher perfeita para mim”.
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