Estou a lembrar-me mais uma vez daquela história do otimista e do pessimista. Diz o pessimista: “Isto não pode ser pior.” E o otimista: “Pode, pode.” Mas se calhar são intermutáveis. Olho em volta e, querendo ser mais otimista do que pessimista, não sei como separar o bom do mau.
Nos Estados Unidos, as bacoradas do Trump podem piorar? Claro que podem. Mas ainda não bombardeou a Coreia do Norte. Por enquanto só também ameaçou o Irão. A UNESCO talvez sobreviva mais coesa sem os dólares americanos. O Acordo de Paris sobre o aquecimento global ainda não colapsou. O sistema nacional de saúde deixado pelo seu antecessor talvez ainda se mantenha. Toda a gente sabe que o muro que pretende construir na fronteira com o México é inútil. E, quando vier a Londres, afinal não será em visita de Estado, a dar direito a coche e cavalinhos, só irá tomar chá com a rainha. Há portanto razões para otimismo, tudo pode ainda a ser muito pior.
E no Reino Unido, as negociações sobre o Brexit podem colapsar? Sim, também podem. Deixando o país emaranhado entre nada e coisa nenhuma. Como disse alguém há dias, quando se fazem ovos mexidos é impossível desmexê-los de novo crus e intactos para dentro da casca. Mas por enquanto está-se numa boa, com a libra só desvalorizada 30%, um governo que não sabe a quantas anda, e onde o apalhaçado ministro dos Estrangeiros, o bully balofo Boris Johnson (uma espécie de Trump à inglesa adestrado em Eton, na grande escola de perpetuação elitista britânica), ainda não é primeiro-ministro. Portanto carpe diem (esses rapazolas citam sempre os clássicos no original), gozemos a folga que sobra enquanto sobra.
Em contrapartida nós, em Portugal, tivemos um chefe do Governo que vai ser julgado por corrupção. Na altura ninguém deu por nada, tudo parecia estar a andar normalmente. O que não deixa de ser um retrato do país. Essa normalidade levou agora a um processo judicial de quatro mil páginas. Logo se verá se ele é culpado ou não. Mas diria um pessimista que tudo isso é um desperdício de papel em tempos de austeridade. Quando toda a gente sabe que, por exemplo, no Brasil (para só mencionar um entre vários outros possíveis exemplos no mundo lusófono) a corrupção é qualidade indispensável para exercer um cargo equivalente. A concluir que assim nunca mais seremos um país moderno e progressivo.
Sim, desatento leitor, estou a brincar com coisas sérias. Mas já disse que atualmente é difícil distinguir entre os bons e os maus da fita. Dantes era sempre. Os cobóis eram brancos e bons e os índios vermelhos e maus. Os inquisidores eram justos e os judeus renitentes. Mas agora, até na Espanha pós-inquisitorial, o governo democrático conseguiu perder a razão que tivesse dando ao separatismo catalão razões que não teria tido. Com hábitos repressivos antigos a gerarem novas revoltas. Pois é, o franquismo está ainda mais presente em Espanha do que o salazarismo em Portugal. Onde também continua a existir, deixem-se de ilusões. Seja como for, os nacionalismos separatistas nem sempre produzem soluções recomendáveis. São consequências e não causas. Mas não é à porrada que isso se resolve. Nem com um reizote a armar-se em carapau de corridas.
Mas a propósito de bons e de maus ou de inocentes e de culpados, já que a conversa derivou para os filmes de cobóis: também há algo de suspeitamente ambíguo na justa fúria acusatória contra o grotesco potentado hollywoodesco Harvey Weinstein. Toda a gente em volta sabia que ele era como era e que fazia o que fazia. Rodeado de vítimas coniventes e de cúmplices aquiescentes. Todos eles e todas elas a faturarem chorudos salários. Incluindo várias das atrizes em quem ele exercia o seu líbido corporativo. Tão ciosas das suas desejáveis carreiras quanto ele do seu indesejável cio. Corrupção no poder, como as ditaduras. E agora lava-se e fica tudo limpinho a parecer novo, como as democracias? Até a Hilary Clinton, cuja campanha eleitoral foi profusamente subsidiada por Harvey Weinstein, saiu-se há dias com um comentário indignado em que relacionava, aliás com toda a razão, esse comportamento com os hábitos predatórios do atual ocupante da Casa Branca. Elogiando, também com toda a razão, a coragem das mulheres que (mesmo se tardiamente, acrescento eu) acabaram por se revoltar. Pois é. Mas também houve aquela coisa do marido da mesma Clinton com uma menina de lábios frouxos, ajoelhada a babar-se no vestido que depois arrumou sem sequer o lavar, como um troféu de glória. Ou as clandestinidades mais sinistras do Presidente Kennedy na mesma Casa Branca. “Happy birthday, Mr. President.”
Quero concluir esta crónica numa nota otimista, como me cumpre. Com a ajuda do nosso melhor Presidente da República. Não, não esse, mas Manuel Teixeira Gomes, que exerceu o cargo de 1923 a 1925. Disse o seguinte sobre a condição das mulheres no seu tempo: “É fora de dúvida que nem sempre foram assim, e reconhecem os historiadores de boa fé que antes da idade ‘patriarcal’ houve uma idade ‘matriarcal’, durante a qual se lançaram as grandes bases da civilização altruísta. […] O facto, porém, é que no período patriarcal as mulheres passaram por tratos de polé, e causa admiração que se não concertassem mais cedo para obter regalias e direitos iguais aos dos homens. Mas entraram já no bom caminho que percorrem a passos de gigante.” Mas ele disse isto, lembraria agora o pessimista, já há quase cem anos.JL
Helder Macedo: Otimistas e pessimistas
JORNAL DE LETRAS Estou a lembrar-me mais uma vez daquela história do otimista e do pessimista. Diz o pessimista: “Isto não pode ser pior.” E o otimista: “Pode, pode.” Mas se calhar são intermutáveis.
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