A máquina escrevia poemas de Lord Byron na perfeição. Poemas inéditos, entenda-se. Aqueles que ele nunca chegou a escrever. É como se entrasse na cabeça do grande poeta inglês do século XIX e reproduzisse às dúzias os sonetos que lá estavam e por circunstâncias variadas nunca chegaram ao papel. A versão portuguesa, que reproduz trovas de D. Dinis, Camões e Guerra Junqueiro, ainda está na versão experimental. Mas a francesa já está ao ponto de imitar Rimbaud, a italiana Dante, a espanhola Lope de Vega e Calderon de La Barca. Enfim, há um sem número de poemas recriados todos os dias, através de uma programação cautelosamente desenhada para criar emoções fortes. Ou fracas. Julgo que o próprio grau das emoções poderia ser calibrado, assim como uma dezena de outros parâmetros.
Júlio resolveu recorrer aos serviços da aplicação para escrever um poema para a namorada. A Vera, na verdade, não era bem a sua namorada, apenas uma miúda com que partilhara os headphones numa festa de aniversário. Quando colocou o auricular na sua orelha e, consequentemente, as suas nucas se aproximaram, quase que se tocando, teve uma sensação de calor difícil de reproduzir na Internet.
Decidiu escrever-lhe um poema. E foi assim que chegou à aplicação. As configurações da app requeriam inspiração e pragmatismo. Um pouco de cultura geral ajudava, mas não era estritamente necessário. A calibração de todos os parâmetros afigurava-se complicada. E demorou longas horas. Por exemplo, era possível cruzar estilos poéticos, sem ter que se restringir a um só autor, levantando questões complexas, como “Que poemas escreveriam Goethe e Bocage se fossem a mesma pessoa?” Mas o que lhe demorou mais tempo foi caracterizar o tipo de relação pretendida. Tinha que definir numa escola de 1 a 10 se pretendia uma relação (1) de uma só noite ou (10) para a vida inteira. Reparou que à medida que aproximava o cursor do 10, a dose de sentimentalismo baixava. Não se importou. Escolheu ligação duradoura e um poema ao estilo de Byron traduzido para português. Leu-o, sem perceber metade das palavras, respirou fundo e enviou-o por impulso.
Quando Vera leu o poema também não percebeu bem o que aquilo significava, mas ficou impressionada com os seus dotes poéticos. Descarregou aquelas palavras na app que traduzia poemas por emojis. Saíram-lhe 20 corações em 30, à parte de uns quantos smiles, um arco-iris, um baralho de cartas e um avião. Respondeu-lhe com uma flor e colocou o seu nome nos favoritos do site de encontros. E uma aplicação deu 7 em 10 as possibilidades de serem felizes para sempre.