Jornal de Letras: O que significa este disco no contexto do seu percurso?
Joana Machado: Cansei-me da música demasiado erudita, auto-exigente, causadora de grandes angústias e de uma insatisfação permanente e decidi meditar acerca das razões que me fizeram querer ser músico de profissão. Foi na minha adolescência, ao som de Nirvana, Pearl Jam, Alice in Chains, entre outros, que essa inevitabilidade surgiu e, com todo o conhecimento que adquiri entretanto e a memória das emoções fortes dos meus 15 anos, resolvi fazer um álbum que refletisse esse ‘divertimento’ que a música me proporciona.
O reportório conta com 11 canções, seis originais e cinco versões. Como foi feita essa escolha?
Comecei por querer adaptar algumas canções extra-jazz à minha linguagem musical e ao meu quinteto. Nos últimos anos abri-me mais à música em geral, voltei a ligar a rádio e repesquei os meus discos antigos para tornar a ouvi-los.
Descobri o James Blake e a Feist, apaixonei-me pelos seus universos e quis contar uma ‘história’ de cada um, à minha maneira. Do primeiro escolhi The Wilhelm Scream, um tema minimalista em que a melodia se repete à medida que vão surgindo novas camadas de ‘ruído’. Da Feist, a The Water, uma balada triste e bonita. Depois, tinha que prestar homenagem à Erykah Badu, grande inspiração para mim desde sempre, e o Tyrone era um tema forte para fazê-lo. Lembro-me muito bem do concerto dela ao vivo na MTV em que, grávida e de turbante, imortalizou essa canção. A Polly dos Nirvana foi uma escolha muito ponderada. É dos poucos temas em que a bateria não entra. Só voz, guitarra e baixo. Depois dei trabalho de casa ao Bruno Santos (meu guitarrista): fazer um arranjo para o EvenFlow dos Pearl Jam. Já as minhas seis canções originais foram surgindo, uma a uma, timidamente… São pequenas histórias autobiográficas que não vou contar para que as pessoas fiquem curiosas…
É, de alguma forma, uma ‘homenagem’ à sua juventude?
Existe uma espécie de arrogância do jazz em relação às outras vertentes musicais. Eu própria sofri disso durante muito tempo, ouvindo exclusivamente ‘música de elite’, mas felizmente reabilitei-me (risos). De repente, fiquei outra vez curiosa com o que se faz na música em geral e posso dizer que me sinto rejuvenescida por isso. Afinal, fui adepta de saídas à noite, danceterias até de manhã, abanei muito o capacete na minha adolescência e no início dos meus 20’s. Depois, o estudo da música, a preservação física que a voz exige, fizeram-me reclusa durante muito tempo. Acordei novamente para a vida aos 29 anos e (re)descobri muitas coisas. Hoje, aos 35, sinto-me mais nova que aos 27. Vibro com Snoop Dogg, por exemplo! Estas canções que escolhi rearranjar são homenagens ao meu passado longínquo de adolescente e ao meu presente de feliz contempladora da contemporaneidade.
Como é o seu processo de composição e escrita das canções?
Enquanto músico, oiço música de todo o mundo e de muitas idades diferentes. Para além disso sou uma mulher, com especificidades de mulher e sou uma pessoa igual às outras. Limpo freneticamente a casa, gosto de comprar ‘trapos’, vou ao cinema, adoro encontrar-me com amigos e viajar. Tudo me inspira! Compor requer muita disciplina, método de trabalho e persistência. Sempre que invento uma melodia, no duche, no carro, onde quer que seja, tento rapidamente registá-la (gravo-me com o telefone) e esse normalmente é o meu ponto de partida. Depois sento-me ao piano e desenvolvo a canção e a letra que aos poucos toma forma. Às vezes tenho uma ideia específica sobre a intenção da música, se quero que corresponda a um groove específico, se é uma balada, outras vezes ela vai-se mostrando.
Carolina Freitas