A neurocientista Mónica de Sousa é coordenadora da equipa que foi galardoada, em 2019, com o Prémio Melo e Castro, da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa, para desenvolver um estudo que, no futuro, pode vir a criar novas terapias para regenerar o sistema nervoso de doentes com lesão vertebro-medular. Ao mesmo tempo, pode melhorar a vida das pessoas, reduzindo as limitações motoras e fisiológicas de que sofrem. Por enquanto, a equipa só está a trabalhar, em laboratório, com ratinhos. Mas já fez, entretanto, uma descoberta que pode trazer alguma luz a estes doentes. “Verificou-se que o ratinho espinhoso africano – Acomys cahirinus – é capaz de recuperar função sensitiva e motora, bem como o controlo da função urinária, após lesão completa da medula espinal”, divulga, a neurocientista do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S) da Universidade do Porto. Mas só depois de identificar os mecanismos que permitem ao ratinho espinhoso regenerar o sistema nervoso é que a equipa poderá “ser capaz de os recapitular noutros mamíferos que não regeneram, como é o caso do Homem”, explica a cientista que em 2019 venceu um dos Prémios Santa Casa Neurociências dos quais a VISÃO é parceira de média.
Em que é que consiste este projeto de investigação?
Em geral, o sistema nervoso central (cérebro e medula espinal) dos mamíferos adultos não regenera após lesão. Mas, numa exceção notável, verificámos que o ratinho espinhoso africano, que é o Acomys cahirinus, é capaz de recuperar a função sensitiva e motora, além do controlo da função urinária, após lesão completa da medula espinal. Vamos, por isso, caraterizar os mecanismos que permitem que esse ratinho regenere a medula espinal após lesão grave.
O que é que a investigação pode trazer de novo para os doentes com lesão vertebro-medular?
“Verificámos que o ratinho espinhoso africano é capaz de recuperar a função sensitiva e motora após lesão completa da medula espinal”
Se identificarmos os mecanismos que permitem a este ratinho regenerar o sistema nervoso, esperamos depois conseguir recapitulá-los noutros mamíferos que não regeneram, como é o caso do Homem. Assim, seria possível melhorar a qualidade de vida de doentes com lesão vertebro-medular, contribuindo, de forma significativa, para reduzir as limitações motoras e fisiológicas associadas a esta doença.
A longo prazo, o conhecimento gerado, neste projeto, poderá permitir desenhar intervenções capazes de induzir a regeneração do sistema nervoso em mamíferos sem esta capacidade, com o potencial de oferecer novas oportunidades terapêuticas a doentes humanos com lesão medular. Mas, por enquanto, todos os nossos estudos são realizados em modelos animais de lesão vertebro-medular de natureza traumática.
Porque escolheu o ratinho africano e o ratinho comum como modelos animais ?
Este projeto é desenvolvido em animais, usando duas espécies próximas: o ratinho africano e o ratinho comum. Enquanto o primeiro tem uma capacidade regenerativa notável do sistema nervoso, já o ratinho comum não é capaz de regenerar. Por isso, queremos identificar o que torna o ratinho espinhoso capaz de regenerar. Só depois podemos modificar o ratinho comum de forma a que também seja capaz de recuperar função após lesão vertebro-medular.
Que resultados já obtiveram com a investigação?
Já conseguimos identificar que o ambiente da medula espinal do ratinho africano é diferente do ambiente do ratinho comum. Ou seja, tem uma composição que o torna mais permissivo à regeneração neuronal. Mas estamos ainda no início de todo o processo de descoberta.
Perante estes avanços científicos há ideia de quando é que os doentes podem vir a ter acesso a esta nova abordagem terapêutica?
Antes de aplicar em doentes, temos primeiro de ser bem sucedidos quando promovermos a regeneração no ratinho comum (Mus). Só depois desta prova de conceito é que podemos pensar na aplicação em humanos. Estes estudos são sempre muito longos. Qualquer nova terapia demora vários anos até ser aplicada em doentes humanos.
Porque decidiu estudar o sistema nervoso de doentes com lesão vertebro-medular?
O sistema nervoso continua a ser um dos que menos conhecemos. Por isso, é um grande desafio estudar mecanismos que possibilitem a regeneração do sistema nervoso adulto, podendo trazer grandes benefícios para os doentes com lesões vertebro-medulares e outros.
Quais são as entidades envolvidas neste estudo?
Este projeto está a ser desenvolvido no i3S – Universidade do Porto em colaboração com a Universidade do Algarve, que possui uma das poucas colónias de Acomys existentes no mundo. Iniciámos este estudo em janeiro deste ano.

PRÉMIOS SANTA CASA NA ÁREA DAS NEUROCIÊNCIAS
Prémios Mantero Belard e Prémio Melo e Castro, ambos criados em 2013, com um prémio de 200 mil euros, e Prémio João Lobo Antunes, criado em 2017. Nas próximas semanas serão conhecidos os vencedores de 2020. Saiba mais aqui.